O Mistério da Paixão e Morte de Jesus
Jesus Cristo deu a Vida por nós
1. Aquele que passou a vida a fazer o bem é condenado injustamente à morte. E, porque é obediente, o Servo Sofredor, como nos lembrava Isaías na primeira leitura, é um servo cheio de disponibilidade: “foi trespassado por causa das nossa culpas” (cf. Is 52,13-53,13), morre na Cruz para dar a vida e nos salvar.
Caríssimos sacerdotes, meus irmãos e minhas irmãs, caríssimos padres, consagrados, leigos, crianças e jovens, que, através das novas tecnologias, acompanhais esta celebração litúrgica: Este momento celebrativo de Sexta-Feira Santa, na ausência de celebrarmos a Eucaristia, vivemo-lo como mistério da comunhão, pelo silêncio, pela oração, pela escuta da Palavra, pela oração pelo nosso mundo ferido e magoado pela pandemia de Covid-19; por tantos agonizantes, tantos doentes internados ou sofrendo nos lares, em suas casas ou nos hospitais e que experimentam o momento de morte; por todos aqueles que, como Jesus Cristo, já experimentaram o dia da sua morte e o viveram na esperança e na confiança.
O autor da carta aos Hebreus dizia-nos: “Vamos, portanto, cheios de confiança, ao trono da graça a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno” (Heb 4, 14-16). E esta misericórdia é para cada um de nós, para os doentes, os pobres, os reclusos, os refugiados e emigrantes, os que perderam o seu trabalho, tantos que arriscam a vida. Ele morreu por nós, em nome de todos os inocentes; morreu por nós, para nos dar uma vida mais plena.
Sabemos que a vida e a morte sempre foram um mistério e simultaneamente um motivo de estudo para todas as civilizações. Quero neste momento mostrar o meu apreço e dar uma palavra de estima aos investigadores, cientistas, autoridades públicas, de segurança e de saúde que procuram com tanto esforço conter a pandemia.
2. Nesta tarde de Sexta-Feira Santa, na hora de noa, em que contemplamos, como ouvimos no relato do Evangelho, o mistério da vida e da morte de Cristo, deixo-vos duas perguntas, que também são para mim: O que é para mim a vida? Que valor tem para mim a vida?… Como aceita cada um a experiência do sofrimento, sabendo que Jesus nos oferece uma vida mais plena? Afinal o que é para mim a morte?
Em Jesus Cristo, com o Pai e o Espírito Santo, acolho a vida como um dom. Por isso, a vida é um atributo de Deus, que Ele partilhou com todos nós. Convido os católicos a transformar o mundo de Sexta-Feira Santa num mundo de vida nova.
Se Cristo foi obediente até à morte e morte de Cruz, também foi levantado na Cruz e por isso Deus o exaltou. É a história da dor em Sexta-Feira Santa. A morte de Jesus é apenas a experiência da morte do ser humano, sinal da caducidade e da fraqueza da nossa natureza. Ele que morreu é agora o vivente; sopra sobre as cinzas e os ossos ressequidos e, pelo Seu Espírito, faz com que estes voltem à vida, como diz o profeta Ezequiel. Faz dos ossos ressequidos um novo ser, um ser ressuscitado.
Por isso, Cristo morreu e ressuscitou para nos dar a vida. No primeiro jardim, Adão morre; agora, depois da morte Jesus, é colocado numa sepultura que fica também num jardim. Mas, ao terceiro dia, Cristo ressuscita dos mortos. Cristo é o Novo Adão, o fruto novo da árvore da Cruz. Deus não perdoou ao seu próprio Filho e entregou-O à morte de Cruz por todos nós, pela nossa salvação.
3. Só contemplando Jesus na Cruz a olhar para cada um de nós sentimos os efeitos da verdadeira vida e do dom da salvação. A Cruz tornou-se a árvore da vida, madeiro onde Cristo se entregou ao Pai por nós e pelo nosso mundo. Como o Servo Sofredor, Ele conforta cada um nas provações, nas angústias, nas tribulações. Com os olhos colocados na Cruz aprendamos a valorizar os outros e a olhar para a sua vida de uma outra maneira, com atitudes novas e diferentes.
Agora entendemos melhor o sentido das palavres de Jesus que afirmou: “Eu Sou o Caminho a Verdade e Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim”. Aquele que aceitou voluntariamente o caminho da Cruz, tornou-se para todos nós causa de salvação eterna e vida em abundância. Cristo amou os seus que estavam no mundo até ao fim e deu a vida por eles. Também aqui saúdo todos ao que servem os outros, em risco de serem contaminados; e são tantos e tantos que dão a vida pelo seu próximo.
“Cristo veio como sumo sacerdote dos bens futuros. Atravessou o Tabernáculo maior e mais perfeito, que não foi feito por mãos humanas, nem pertence a este mundo, e entrou de uma vez para sempre no Santuário”, entregando “o seu próprio Sangue, e alcançou-nos uma redenção eterna” (cf. Heb 9, 11-28). Foi por isso que Ele deu a vida por amor, por cada um de nós. Só por amor por nós morre na Cruz.
4. Lembrando a última Ceia em que Jesus lavou os pés aos discípulos, para nos deixar o exemplo e nós podermos fazer o mesmo aos nossos irmãos, de modo especial neste tempo em que a humanidade está doente e ferida por esta pandemia Covid-19, sentimos ele está presente em todos os cuidadores, sujeitos a tantos perigos, que continuam hoje a atualizar os gestos de Jesus no amor, no alívio das dores e nas palavra de animo, de alento e de esperança.
O amor e o serviço aos irmãos é o testemunho e a presença que Jesus nos ofereceu na Santíssima Eucaristia. Lembra-te que és pertença de uma condição humana, frágil e pecadora. Mas Jesus, o Filho de Deus, passou a vida a fazer o bem; pelo bem que fizermos, um dia receberemos a recompensa: o que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos é a mim que o fazeis.
Na primeira Eucaristia, Jesus, entregando-se aos seus, disse-lhes: “fazei isto em memória de mim”. Entregou-se em alimento por nós Aquele que nos ensinou que o seu alimento era fazer a vontade do Pai. A vontade do Pai é que todos se salvem. Por isso, Ele viveu a sua agonia através dos sofrimentos e lágrimas, pedindo que se afastasse dele “aquele cálice”; mas logo se entrega de novo ao Pai dizendo: “Faça-se, ó Pai, a tua Vontade”.
Senhor, neste mundo em que tantos irmãos sofrem, vítimas do Covid-19, cheios de receio e de medo, na insegurança do futuro, diante das consequências terríveis desta pandemia em que vivemos, também nós pedimos: ”Pai se é possível, afaste-se de mim este cálice, contudo, não se faça a minha mas a tua Vontade”. Afastai do nosso mundo esta terrível pandemia, este inimigo invisível; livrai deste mal terrível os profissionais de saúde, os voluntários, todos os cuidadores e servidores do nosso mundo, pelo mistério da Santa Cruz.
5. Cristo amou-nos e ofereceu-nos gratuitamente o dom da salvação e da redenção. O valor da vida humana, o respeito e a dignidade que ela merece, desafia-nos, nesta hora em que a nossa atitude perante a vida e o sofrimento de todos nos responsabiliza. Que sentido tem na minha vida, a pessoa de Jesus, o bem que Ele ensinou e fez, a vida que deu aos outros como oferta gratuita até à morte na Cruz?
Jesus fez o seu caminho de sofrimento: a oração da agonia, a prisão, a condenação, a flagelação, o abandono e o escárnio, foram para Jesus momentos profundos de comunhão.
No momento em que Pilatos apresenta Jesus dizendo: “Eis o homem… Eis o vosso Rei…”, quanto não terá sofrido Jesus.
O encontro com a multidão, a negação de Pedro e o abandono dos amigos… No calvário apenas a Sua Mãe, o discípulo amado, os condenados, os amigos e os que tinham ordem da autoridade para executaram a sua morte. Desceram-no da Cruz e foi sepultado.
Foi um caminho humano e divino vivido em plena liberdade de entrega à vontade divina do Pai, para salvar a humanidade inteira. Por isso, São João lembra no seu Evangelho que Deus amou tanto o mundo que lhe deu o Seu próprio Filho, para que todo o que N`Ele acredita não pereça, mas tenha a vida eterna.
O dom da vida eterna, da salvação, foi-nos oferecido pelo amor e pelo sofrimento, pelo perdão e pela misericórdia. É esta a experiência que o mundo de hoje experimenta nesta hora de trevas, de sofrimento e de morte, marcada pelas consequências desta pandemia. Pedimos a Deus que se torne dom de amor, de perdão, de misericórdia e de saúde para com os doentes vítimas do Covid-19.
6. Deus entregou ao Seu próprio Filho a missão de cuidar de cada um de nós. Pela sua entrega Ele redimiu a criação e cumpriu a vontade do Pai. A sua generosidade de Servo sofredor leva-nos a aceitar verdadeiramente o projeto da Sua Paixão e Morte. O amor é mais forte que a morte. O seu gesto de amar e servir transformaram a humanidade decaída, numa humanidade renovada.
Quando eu for levantado da terra, quero atrair todos a mim. O Filho do homem foi levantado. Foi para isso que o Pai o enviou. Foi o próprio Deus que levantou o seu Filho Jesus na Cruz e o tornou o sacrifício, a vítima, o altar e o cordeiro.
Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, também o Filho do homem foi levantado, para nos salvar. para curar as nossas feridas, as nossas doenças, as enfermidades da humanidade.
Hão de olhar para Aquele que trespassaram… puderam contar todos os meus ossos. Verdadeiramente, o Servo Sofredor era o Filho de Deus, proclamou o centurião. Cristo entregou a vida para resgatar e salvar a humanidade. Deixa que todos escarneçam d`Ele e sujeita-se às mais ignominiosas ofensas e humilhações, não se queixa, não responde, tudo sofre no silêncio, na compaixão, na resiliência e no amor. Dá-nos uma grande lição de vida, vencendo o pecado e a morte. Mas ressuscitou ao terceiro dia e agora vive para sempre, para nos oferecer a vida em abundância.
Jesus é o verdadeiro Cordeiro Pascal que se imola de modo único e definitivo, por isso, a carta aos Hebreus retoma a ideia de que Ele é o Servo cheio de disponibilidade: ”Eis-Me aqui: Eu venho, ó Pai, para fazer a tua vontade”.
7. Deixai-me partilhar convosco as últimas frases de Jesus na Cruz, para continuardes nesta tarde de Sexta-Feira Santa a fazer a vossa meditação:
«Pai perdoa-lhes porque não sabem o que fazem»: O perdão tão necessário, tão difícil e tão urgente, no coração humano, na Igreja e entre os povos…
«Hoje estarás comigo no paraíso»: Oxalá que um dia possamos ouvir estas palavras maravilhosas.
«Vinde benditos do meu Pai, possuir como herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo».
«Mulher eis o teu filho»: Este título dado a Maria faz com que ela seja, por excelência, a mulher do ‘Sim’. Sim! O seu fiat é serviço. O seu fim é stabat; de pé, junto à Cruz, ela torna-se nossa Mãe e recebe-nos também como filhos na pessoa do João.
«Meu Deus, meu Deus porque me abandonastes»: Quantos, porventura, sentirão a força literária destas palavras. Nós queremos vive-las na fé: Não me abandonastes. Na provação, é quando Tu mais me amas.
«Tenho sede»: Sim, Jesus, tens sede de mim, de todos os que estão doentes e dos que cuidam dos doentes; tens sede desta humanidade que precisa de te reencontrar, de se renovar e de ser verdadeiramente Teu povo.
E porque, na Cruz, já agonizante, Te faltam as forças, Tu repetes: «Tudo está consumado». Tudo está feito! Deste a vida por nós. Um obrigado muito profundo e comovido do coração da Igreja, do meu coração de bispo, do coração de todos vós.
«Pai, nas Tuas mãos entrego Meu espírito»: A primeira palavra começava por esta relação com o Pai. Termina a relacionar-se com o Pai. Sim, Pai, também queremos entregar a nossa vida e todos os doentes, os que cuidam deles, toda a nossa humanidade ferida e todos aqueles que prestam os mais variados serviços, nas tuas mãos, para que sejam salvos pelo mistério da Morte de Cristo na Santa Cruz.
Alma de Cristo, santificai-me.
Corpo de Cristo, salvai-me.
Sangue de Cristo, inebriai-me.
Água do lado de Cristo, lavai-me
Paixão de Cristo, confortai-me.
Ó bom Jesus, ouvi-me.
Nas Vossas chagas, escondei-me.
Não permitais que eu me separe de Vós.
Do inimigo maligno, defendei-me.
Na hora da minha morte, chamai-me.
Mandai-me ir para Vós,
Para que Vos louve com os Santos
Pelos séculos dos séculos. Ámen.
Sexta-Feira Santa, Viseu 10 de abril de 2020
+ António Luciano, Bispo de Viseu