Observatório Pastoral
Partilhava um médico do Serviço de Urgência: “Várias vezes, no meu longo serviço nas ambulâncias do INEM, tentei ressuscitar pessoas com massagens cardíacas e respiração boca-a-boca. Nesses momentos, não se pensa. Só se quer dar o nosso espírito de vida. Estou feliz por alguém ter regressado à vida e ao afeto dos seus por causa do sopro que lhe inspirei num momento em que a vida esteve por um fio.”
Jesus veio, atravessou paredes e reanimou uma comunidade em agonia. Era o medo que a paralisava. Já antes, João disse que, para entregar o Espírito, Jesus inclinou a cabeça… não para o céu… mas, sobranceiro, fê-lo para os que estavam junto à cruz, em baixo (Cfr. Jo 19,30).
A guerra faz agonizar a humanidade. Estrangula-nos com a inflação e com a fome. E a Igreja? Aquela que deveria ter saído para fora, após os ventos do Concílio, não será que agoniza também? Estamos sem respiração, sem fôlego. As gerações mais novas não querem como herança uma vida eclesial asfixiada. Sentem-se órfãs e desamparadas. E nós teremos coragem de soprar sobre elas um Espírito de continuidade, sem saber o como, no concreto, mas confiar (confiar é ter uma fé comum)?
A humanidade agoniza porque a mobilidade, proporcionada pelos nossos tempos, atrai-nos a viver entre iguais, com os que pensam como nós. Reagimos à complexidade refugiando-nos na uniformidade. Mas o Espírito consegue atravessar paredes e consegue fazer tremer os alicerces da Casa, convertendo-a de sindical em sinodal. É que o amor só é possível quando amamos alguém radicalmente diferente de nós! Amar o igual é esterilidade ou recessão genética! (…)
É evidente que uma igreja sinfónica se devia alegrar com a riqueza instrumental. Então, a tolerância é esse “teste de stress” que constata até que ponto “suporto” a diferença do outro. Falo no sentido etimológico do termo: “pôr a minha mão debaixo” do outro, apoiá-lo e acreditar na sua diferença. Implica um cuidado pelo outro diferente de mim; atenção à particularidade da sua pessoa.
Timothy Radcliffe contava este testemunho pessoal. John era um jovem que foi expulso da escola por consumir droga. Então o mundo desmoronou à sua volta. Os pais decidiram dar-lhe uma oportunidade numa clínica de reabilitação. Quando a mãe regressava a casa com o bilhete do comboio, encontrou uma multidão de pessoas reunidas à porta. O John tinha-se atirado do sétimo andar.
Quando Timothy chegou junto do rapaz, no hospital, o médico disse-lhe que a sua temperatura corporal estava a descer lentamente. Dentro de vinte minutos era o fim. O dominicano pegou na mão do jovem e disse-lhe que estavam a rezar por ele. Tinha muitos ossos partidos e imensas lesões internas e, ainda assim, fez que sim com a cabeça e conseguiu escrever numa folha: “Eu também posso rezar.” Depois aconteceu uma coisa extraordinária: a temperatura recomeçou a subir. John sobreviveu. Foram necessários seis meses para recomeçar a andar. Veio a casar e tornou-se um artista de sucesso.
John só estava à espera, quem sabe toda a sua vida, de saber que alguém, muitos, esperavam por ele, de fazer alguma coisa com ele, de segurar a sua mão, de fazer preces por e com ele! Isso foi um sopro de alento que precisava e que o agarrou a este lado da vida, mesmo, mesmo antes do cair do pano!