“Não haverá uma ecologia sã e sustentável, capaz de transformar seja o que for, se não mudarem as pessoas, se não forem incentivadas a adotar outro estilo de vida, menos voraz, mais sereno, mais respeitador, menos ansioso, mais fraterno” (Querida Amazónia, no 58).
Os ensinamentos do Papa Francisco têm insistido muito no respeito pela criação e no equilíbrio da natureza, que hoje vemos ser destruída por estes terríveis incêndios que acontecem em Portugal, na Europa e no mundo. A Igreja e os seus pastores olham para este fenómeno com tristeza e dor. “A Igreja é uma casa com portas abertas, porque é mãe” (Fratelli Tutti, no 276), por isso vive e ensina a fraternidade, a solidariedade e a amizade social.
Nestes últimos dias, Portugal de lés-a-lés foi fustigado por terríveis chamas destruidoras e incontroláveis em vários pontos do país. Estes incêndios são um sinal da presença do mal no mundo de hoje. Mas nós, como cristãos, somos convidados a construir o bem e a vencer o mal que acontece na natureza e no mundo com a nossa oração e a nossa ação. De todos estes males, livrai-nos Senhor. Das forças que destroem a natureza, a dignidade da pessoa humana e a vida do corpo e da alma, livrai-nos Senhor. São Pedro exorta-nos dizendo: “Sede sóbrios e estai vigilantes: o vosso inimigo o demónio, anda à vossa volta, como leão que ruge procurando a quem devorar. Resisti-lhe firmes na fé” (1 Ped 5, 8-9).
Nestes tempos difíceis e de provação causados pelos incêndios, quero manifestar a minha solidariedade fraterna e presença orante junto das populações, dos bombeiros, da proteção civil e das autoridades, que incansavelmente combatem até à exaustão tão grande inimigo da natureza. O fogo provocado nas florestas e campos agrícolas, por descuido e incúria de muitos, ou mesmo causado por mão criminosa, tem sempre uma desculpa e um sujeito responsável. Têm de se responsabilizados os autores de tão grandes desgraças e devemos pensar no bem daqueles, que durante estes dias não tiveram paz, sossego e tranquilidade para combater as chamas.
Recordei então, nestes dias a aparição de 19 de agosto de 1917, nos Valinhos em Fátima, durante a qual Nossa Senhora disse aos pastorinhos: “Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, porque vão muitas almas para o Inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas”. Já no mês de julho lhes tinha ensinado a seguinte jaculatória para rezar durante o terço: “Ó meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu, principalmente as que mais precisarem”.
Perante o cenário dos incêndios, cujas chamas reduzem a cinzas florestas inteiras, habitações e bens essenciais, fruto do trabalho e sacrifício de tantas populações, o meu coração de crente volta-se para Deus e rezo por eles. Olho para o nosso mundo e para os problemas deste mundo global: a pandemia, a guerra, a fome, a pobreza, a perseguição, os incêndios, a seca, as cheias e inundações, a instabilidade da vida das pessoas e tudo me faz voltar o coração para Deus e dizer com confiança: Senhor, tende piedade de nós.
Todos estes acontecimentos são motivo de reflexão e meditação e fazem pensar nas palavras de Nossa Senhora pronunciadas em Fátima como profecia e questionar-me: porque acontece tudo isto no mundo? São tudo causas naturais? Negligência humana ou maldade consciente e criminosa de muitos? Perante a impotência dos governantes, dos bombeiros, da proteção civil, do exército, da GNR e das populações para dominar e apagar os diversos fogos, fico reduzido à minha insignificância. Só Deus nos pode ajudar em tão grande provação. Diante de uma área ardida tão grande, com a destruição de bens, de vidas, a incapacidade de dominar os incêndios, o povo anónimo, exausto diante de tanto sofrimento, angústia e desespero, afirma: isto é o inferno a arder.
No dinamismo da fé, o inferno é uma outra realidade, basta ser uma ausência permanente de Deus, oposição ao seu projeto num sofrimento atroz, que destrói a vida interior, comunhão, o amor, a unidade e a paz, que desejamos gozar em plenitude junto de Deus.
Estes terríveis incêndios que lavram em Portugal são um cenário de terrorismo, de mão criminosa, de uma outra guerra que é preciso denunciar e à qual não podemos ficar calados e indiferentes. É preciso reagir para pôr termo a tão grande mal. Numa visão teológica da fé são grandes pecados sociais, que devemos saber reparar com respostas de amor e de um bem maior para todos. Diante de tão grande mal e destruição os bombeiros, a proteção civil, as autoridades, as forças de segurança e as populações sentem-se cansadas e desgastadas pelo stress. Quem as poderá aliviar?
Os membros do governo reuniram-se com responsáveis das autarquias afetadas pelos incêndios, que durante uma semana destruíram grande parte da floresta do parque natural da Serra da Estrela, que é Património Mundial da Unesco, para encontrar soluções, tomar medidas com respostas adequadas aos problemas surgidos pelos trágicos incêndios. Que dê muitos frutos, através da prevenção e de políticas que ajudem as populações e sejam favoráveis, que protejam o meio ambiente, as localidades, as populações e os bens essenciais à vida das pessoas. É preciso apostar na prevenção, inovação e organização das florestas, nas acessibilidades locais, abrir estradas de acesso, apostar na vigilância controlada por sapadores, guardas florestais, bombeiros, proteção civil e populações.
Não basta dizer que Portugal é um jardim à beira mar plantado, é preciso cuidar dele e com urgência e emergência. O Papa Francisco na “Laudato Si”, chama a atenção de todos nós para o cuidado e preservação da natureza, do meio ambiente, do nosso planeta.
Educar para os valores da ecologia e do equilíbrio das espécies e da natureza é algo comum a todos os cidadãos. Devemos por isso, apostar muito na prevenção de catástrofes naturais e aprender a ser solidários com todas as pessoas no quotidiano e no meio das grandes provações e dificuldades da sua vida.
Perante uma seca tão severa e continuada e os incêndios descontrolados, faço dois pedidos aos cristãos: primeiro, promover uma cultura de prevenção de incêndios e de cuidado pela natureza, respeitando-a e cuidando dela no seu todo; em segundo lugar, fazer surgir na diocese um movimento de oração, para pedir o fim da pandemia e a paz no mundo, o dom da chuva e o fim dos trágicos incêndios, que destroem a natureza, alteram o clima, privam as pessoas dos seus bens e prejudicam a saúde pública, pessoal e social.
Peçamos com fé na oração a Nossa Senhora, Mãe e Rainha, que nos conceda a graça do fim dos incêndios, a vinda da chuva benéfica, tão necessária para refrescar a temperatura da nossa terra e encher os caudais das nascentes, dos rios e das barragens do nosso país e assim vivermos todos uns dias mais calmos e tranquilos.
Imploro a proteção do Deus Altíssimo, pedindo-lhe que olhe para os seus filhos, que vivem neste vale de lágrimas e lhes conceda a tranquilidade de um tempo pacífico, um clima favorável à diminuição dos incêndios, onde as pessoas se sintam bem e vivam um tempo de paz interior e de bonança, empenhados na construção do maior bem comum da humanidade.