Open/Close Menu A Diocese de Viseu é uma circunscrição eclesiástica da Igreja Católica em Portugal

Observatório Pastoral

 

Há quatro décadas atrás, o Concílio Vaticano II fazia uma afirmação e retirava daí uma corajosa consequência. Essa afirmação retoma uma verdade que atravessa toda a tradição cristã: a Sagrada Escritura é a alma da Teologia e do agir cristão (cf. Dei Verbum 24). A consequência avançada tem tanto de lógico como de profético: «É preciso que os fiéis tenham acesso patente à Sagrada Escritura» (Dei Verbum 22)!

Há que reconhecer que este mote desencadeou uma grande energia no tecido eclesial. Estas décadas passadas contribuíram para alterar significativamente o modo como a Bíblia era olhada: a reforma litúrgica explicou o lugar dela como centro da vida da Igreja; o aprofundamento da Bíblia contribuiu largamente para a renovação teológica e pastoral; incrementou-se a tradução e a divulgação do texto bíblico; os estudos exegéticos conheceram um desenvolvimento notável; o diálogo ecuménico ganhou um firme polo de união…

Mas muito permanece por fazer. Dados recentes sobre os hábitos de leitura bíblica desassossegam bastante. O desafio que se coloca é mesmo ler a Bíblia, esse livro fundamental para a construção da existência cristã. Urge promover uma apaixonada iniciação à leitura, cuidando que o encontro com o Texto Sagrado aconteça realmente. Encontrar a Palavra de Deus é encontrar a Cristo, dizia São Jerónimo. Sem ela, o Cristianismo torna-se vago, insustentável, insuficiente.

(…) A Bíblia representa uma espécie de «atlas iconográfico», um «estaleiro de símbolos». É um reservatório de histórias, um armário cheio de personagens, um teatro do natural e do sobrenatural, um fascinante laboratório de linguagens. Desconhecer a Bíblia não é apenas uma carência do ponto de vista religioso: é também uma forma de iliteracia cultural, pois significa perder de vista uma parte decisiva do horizonte onde historicamente nos inscrevemos. Por isso, o escritor italiano Sergio Quinzio, recentemente, defendia: «A Bíblia deveria ser estudada na escola, e por todos, como se estuda a Ilíada…». Compreender a Bíblia é compreender-se, já que a Bíblia participa de modo determinante no circuito das relações que ligam experiência religiosa e consciência civil na Europa Moderna, a ponto de poder iluminar a própria identidade europeia.

A Bíblia aparece-nos disseminada pelo pensamento, imaginação e quotidiano. Ela continua a ser um texto, claro. Mas também, e de um modo irrecusável, a Bíblia constitui hoje um metatexto, uma espécie de chave indispensável à decifração real. Da filosofia às ciências políticas, da psicanálise à literatura, da arquitetura explícita das cidades ao desenho implícito dos afetos, da arte dita sacra às formas da expressão que enchem, por toda a parte, galerias, museus, escaparates: a Bíblia é um parceiro, voluntário ou involuntário, nessa comunicação global. O texto bíblico participa na construção do mundo, ao mesmo tempo que viabiliza a sua legibilidade.

 

José Tolentino Mendonça
In O Hipopótamo de Deus, Ed. Paulinas
CategoryDiocese, Pastoral

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