
Observatório Pastoral
«A História consiste no que sucedeu e no que vai sucedendo, sem parar, ao longo do tempo. Mas também consiste, por outro lado, nos diversos estratos ou sedimentos acumulados debaixo do chão que pisamos, sendo que a nossa vida se torna mais profunda e reflexiva, e mais digna a alma da nossa carne, quanto mais fundo penetram as raízes do nosso ser no estrato insondável que (…) o determina e nutre de igual modo, levando-nos por vezes a falar dele na primeira pessoa, em momentos de menor rigor, como se, de facto, ele fosse carne da nossa carne.» (Thomas Mann in José e os seus irmãos I)
A sociedade moderna caminha numa velocidade e numa evolução incomparável a qualquer outro momento histórico. A velocidade é de tal forma alta que se perde a noção da realidade e, ao se idealizar com tanta insistência o futuro, olvida-se o caminho realizado hoje, pois este não teve o seu início nas conquistas de hoje, mas é fruto de um percurso. Denota-se esta realidade, por exemplo, nos movimentos de renovação textual para “adaptação” de textos tradicionais da literatura universal a uma cultura e a uma linguagem que seja consentânea com a cultura contemporânea. Contudo, quem se refere a este facto cultural pode encontrar movimentos semelhantes em outros locais da vida social.
Olhar para o passado sem desejos de o vangloriar é o caminho para se assumir o presente e projetar o futuro. Um olhar crítico sobre o passado faz parte da dinâmica essencial, não só dos historiadores, mas de quem percebe que os erros são cíclicos e é necessário interiorizar que quando se quer chegar a algo de diferente, tem de se aprender com o longo caminho percorrido, os erros cometidos pela humanidade, e pela Igreja, para que se chegue a uma compreensão diferente da vocação do ser humano à santidade e à construção do Reino dos Céus, ou melhor de um mundo mais justo e fraterno.
Vivem-se tempos belos do ponto de vista espiritual, são tempo de Páscoa e de caminho para as JMJ, mas também são tempos dolorosos e interrogatórios do posicionamento dos cristãos diante dos problemas da Igreja e da sociedade, com abusos e problemas com a autoridade. Quando o cristão contempla e vive a Páscoa, assumindo as agruras da Paixão e a dificuldade de encarar de frente o mundo, não vive algo que aconteceu no passado, algo que simplesmente se desenrolou num determinado período histórico, mas como algo que faz parte do presente, transformando e transcendendo a vida.
Contemplando os vários períodos históricos da Igreja, percebe-se como a Paixão e a Ressurreição fizeram parte deste caminho em constante mutação, algo que se baseia na renovação constante. Este é o ponto de partida para uma postura coerente na leitura do passado, na vivência do presente e na projeção do futuro. Acreditar na Ressurreição faz com que o cristão tenha um olhar crítico sobre o passado, isto é, a Igreja não foi perfeita quando não se celebrava no vernáculo como não o é hoje a celebrar em vernáculo, pois, em todos os momentos históricos, é formada por homens e mulheres. Hoje o Ressuscitado, mesmo no meio das dificuldades e das traições de cristãos e cristãs espalhados pelo mundo inteiro, continua a fazer caminho com a Igreja e a ser o Mestre que a conduz na busca da santidade.