Observatório Pastoral
Depois de dias tão intensos, o exercício de descer da montanha, de descer do lugar onde a emoção, a comunhão e alegria nos fizeram subir não é fácil, nem instantâneo. Precisamos de tempo para processar. O modo como o Papa Francisco foi conduzindo esta JMJ pode ajudar-nos a integrar aquilo que vivemos, ordenando tudo isso talvez possamos encontrar os caminhos que precisamos de percorrer, todos juntos.
Diz-se muitas vezes que o Papa se coloca diante de grandes assembleias como um pároco próximo que conhece cada pessoa pelo nome. É uma boa imagem, fiel ao modo como tantas vezes Francisco aparece aos olhos do mundo. Mas houve algo mais nesta JMJ. Francisco foi também um orientador de “Exercícios Espirituais”. Falou diretamente a cada peregrino e no meio da avalanche de gritos, música e danças convidou ao silêncio. Convidou os jovens a reconhecerem a presença de Deus no seu interior. Convidou-os a confiarem-lhe as suas lágrimas, os seus sonhos, convidou-os a reconhecerem-se como filhos e filhas amados. Convidou cada um e cada uma a reconhecer que Deus lhes fala e que nos fala através deles. Só deste modo é possível que as emoções sejam reconhecidas como movimento interior, só deste modo é possível reconhecer quais os movimentos interiores que nos aproximam dos outros e de Deus, e quais os movimentos que nos fecham em nós mesmos. Já quase no fim desta grande jornada, Francisco disse aos jovens: “vós sois o santo Povo fiel de Deus que caminha com a alegria do Evangelho.” E assim diz-nos a todos que o sensus fidei, está presente nestes jovens e que por isso eles nos podem ajudar a aprofundar a fé da Igreja, abrindo-a ao sopro do encontro com novas realidades e anseios.
Seremos incapazes de escutar este movimento se a nossa escuta permanecer refém de uma pose altiva e demasiado professoral. Temos coisas a dizer e a ensinar? Temos sim. Mas, sem compreender a realidade de cada pessoa que vem ter connosco, facilmente esse ensino se transforma em ideias desencarnadas e abstratas absolutamente incapazes de trazer luz ao mistério da vida humana. Não podemos permanecer atados a falsas seguranças nem à dificuldade de nos colocarmos vulneráveis diante da realidade de cada pessoa. O Papa fartou-se de improvisar e nesse improviso procurou ir ao encontro das pessoas que tinha diante de si. Sintetizou para que o pudessem ouvir, deixando ecoar a palavra libertadora do Evangelho. Por muito importantes que sejam, as aulas de Teologia não são para ser dadas em homílias de Crisma.
Houve outros sinais fortes de escuta pedida durante a JMJ. Uma escuta coerente com o processo sinodal da Igreja: A escuta sinalizada pelas cartas enviada pelos jovens do Ensemble 23 ao Papa e que inspiraram a encenação da cerimónia de acolhimento, a escuta e a resposta aos jovens das Schollas Ocurrientes, a escuta prévia à escrita das estações de Via Sacra, a escuta que inspirou os momentos Rise Up. É com processos como estes que se deixam cair as portas. Mas este é um processo lento e exigente, porque não se trata de cosmética, mas de verdadeira conversão a uma Igreja mais sinodal e ao modo de Jesus. Há resistências significativas à dinâmica sinodal. É necessária criatividade para que as formas sinodais assumidas durante a JMJ possam alcançar e informar comunidades católicas em todos os cantos do mundo.