Observatório pastoral
Longe vai o tempo da chamada sociedade da cristandade, que se definia como um cristianismo sociológico marcado pela identificação entre a religião e a cultura – a mentalidade predominante – na qual a cultura apoiava a fé e a frequência da Igreja e onde, refere James Mallon, a «demografia apoiava o desenvolvimento pastoral através do nascimento de crianças e movimentos dos emigrantes». Neste contexto, bastava construir infraestruturas (igrejas, salões paroquiais, etc.), que as pessoas procuravam a paróquia para preencher os bancos das igrejas na celebração dominical da eucaristia. Simultaneamente, enquanto se continuasse a batizar e a ensinar a religião nas escolas, haveriam sempre “bons católicos praticantes”. Durante séculos, entre a Igreja e a sociedade, existiram círculos concêntricos que favoreciam a aproximação e a adesão. O cristianismo constituía não só a religião de um povo, mas surgia como a base de uma cultura.
Situamo-nos num quadro sociológico anterior ao Concílio Vaticano II, onde a maioria das pessoas eram cristãs por tradição e o tecido social constituía o seio generativo para a educação humana, moral e religiosa do povo. Neste ambiente, a educação e a fé eram transmitidas nos três seios que constituíam a sociedade local: a família que transmitia por osmose dentro da vida quotidiana; a escola primária que dava continuidade à educação religiosa que se vivia no interior da família; e a própria localidade (nas zonas rurais), ou Bairro (nas zonas citadinas), assumida como uma espécie de seio protetor – uma família alargada – onde cada um se sentia responsável não só pelos seus filhos, mas também pelos filhos dos outros.
O estilo pastoral da cristandade influenciou a formação de muitos cristãos ao longo de séculos e respondeu aos desafios do seu tempo, em especial, dedicando-se à dimensão doutrinal da catequese e à celebração dos sacramentos. A sua estrutura de transmissão de fé assentava num tipo de pastoral de “conservação”, num certo modelo de paróquia – o tridentino – delineado num território específico e centrado na “torre sineira” e na figura do pároco. Neste modelo o pároco desempenhava como tarefa essencial: o “cuidado das almas” através da pregação, a catequese para os sacramentos, as missões populares, as devoções, a doutrina para os adultos e todos aqueles serviços que respondiam às necessidades imediatas dos fiéis. No fundo, e segundo o pastoralista Enzo Biemmi, a paróquia «era vista como uma agência de serviços religiosos para pessoas já crentes, uma vez que a tarefa da mesma não era tanto a de gerar processos de fé, mas de nutrir, cuidar e torná-la coerente».
Neste modelo de inculturação da fé, a Igreja vivia um estilo de cristianismo do dever, ou seja, uma figura de fé própria do contexto de uma monocultura, onde naturalmente a religião cristã era vivida e compreendida como “dever” ou “lei” (obrigação e hábitos) perante Deus e perante os outros e, paralelamente, como garantia de estabilidade social.
Após o Vaticano II, este modelo e estilo pastoral torna-se cada vez mais difícil e praticamente insustentável devido às grandes mudanças protagonizadas na sociedade que afetam profundamente a vida das pessoas. A verdade é que o mundo mudou e, com ele, mudaram também os interlocutores, os valores e modelos ditos tradicionais, sentenciando-se assim, o fim da Cristandade.
Pe. João Zuzarte