Hoje estão muito na moda as emoções, que se tornaram um critério de autenticidade, depois de terem estado durante muito tempo sob a suspeita de irracionalidade. Mas é possível falar de emoções com referência a Deus, Ser absoluto e imutável que nos foi ensinado no catecismo e que foi transmitido durante séculos de tradição cristã? É o que tenta o teólogo dominicano francês Emmanuel Durand, professor de Filosofia e Religião na Universidade de Friburgo, Suíça, no livro “Les emotions de Dieu. Indices de engagement” (As emoções de Deus. Sinais de compromisso).
O Deus bíblico é sujeito de emoções, que vão da cólera e da ira à piedade e à compaixão, não é um Deus gélido como o dos filósofos. «Um Deus incorpóreo» – escreve o autor – «parece inadaptado “per se” às emoções». Depois questiona-se: «Um Deus emotivo é então simplesmente uma projeção do humano, mais ou menos hipertrofiado?». E acrescenta: «Algumas pessoas andam às voltas com um Deus frio e distante, que se esforçam por negar ou denunciar a todo o custo. Outras estão mais ou menos traumatizadas por um Deus colérico e opressivo, herdado de uma “pastoral do medo”. Outras apontam exclusivamente para um Deus compassivo e misericordioso, sem cólera nem juízo. As nossas representações de Deus não são virgens. Impõe-se um trabalho de elucidação».
É esta tarefa a que Durand se propõe em relação ao tema das emoções de Deus: como conciliar a imagem de um Deus imutável com sentimentos como a tristeza e a comoção, o ciúme e a ira, ou a esperança? Decerto, ao debater este tema espinhoso, a teologia cristã tem de ter em conta a incarnação: Deus assumiu a nossa carne, incluindo a afetividade. Não só, a relação entre divino e humano é particularmente especial para a fé cristã: «O humano é não só criado por Deus, mas chamado por Deus. Isto significa que o humano não é só diferente de Deus, mas é também feito por Ele. O humano está estruturalmente disposto a elevar-se para Deus e a ser visitado por Ele». Como Santo Agostinho nos ensinou, não é a da ataraxia, da imperturbabilidade sustentada no estoicismo, a via escolhida pelo cristianismo, que não expulsou a sensibilidade, mas integrou-a na dimensão moral. (…)
Tudo é metáfora do amor divino, que tem acentuações paternais e maternais, de grande ternura e proximidade aos acontecimentos humanos. Não um Deus distante e inacessível. A propósito do qual escreveu Orígenes: «Qual é, então, esta paixão que Ele sofreu por nós? A paixão da caridade. E o próprio Pai, Deus do universo, pleno de misericórdia, indulgente e piedoso, não padece também Ele deste modo? Deus toma sobre si os nossos costumes, como o Filho de Deus carrega as nossas paixões. O próprio Pai não é impassível. Se se lhe reza, experimenta piedade e compaixão, um sentimento de amor». (…)
Durand percorre os muitos episódios do Evangelho em que Jesus manifesta sentimentos e paixões humanas, da alegria à cólera, da tristeza à angústia. Tudo emoções que representam o envolvimento de Deus com os acontecimentos humanos: «Se a vontade de Deus passasse sobre as nossas liberdades para cumprir-se por si própria, connosco ou sem nós, Deus não experimentaria nem alegria nem tristeza, nem esperança nem ira, nem audácia nem lamentação. As emoções de Deus são os traços de uma aliança que prossegue a sua disseminação».
Roberto Righetto, In Secretariado da Pastoral da Cultura