(…) Desconfio de tudo o que na Igreja é “neo”: neo-barroco, neo-gótico, neo-conservadorismo… Soa sempre a duas coisas: soa a desejo de voltar a um passado que, com o passar dos anos perdeu o seu lado concreto e ficou apenas a sensação de segurança que transmitiu, por ter respostas prontas para tudo; e soa a falta de fé no princípio absolutamente basilar da fé cristã que é a Encarnação. A vida de Jesus vem entranhar-se na nossa vida, não vem despir-nos da nossa cultura e do que é nosso. Seria muito mais fácil e muito mais prático ter um único modo de viver, de rezar, de falar, de pensar, de celebrar, mas isso não poderia exprimir a fé de cada pessoa deste mundo, chamada à vida em Jesus tanto como eu. “Para Deus há tantos caminhos quanto pessoas”. (J. Ratzinger, Sal da Terra, Introdução)
Jesus diz-Se em todas as línguas e em todas as linguagens e isto está longe de ser uma ameaça. Jesus continua a dizer-Se de maneira novas na medida em que a forma de viver, de olhar, de pensar, de falar, de cantar, de construir, também ganham novas formas. Fechar a celebração da fé numa língua desconhecida e num modo único de cantar é tirar-lhe a possibilidade de ser uma expressão viva da fé das pessoas. (…)
De um modo muito geral e talvez simplista, há duas formas de viver a fé: a olhar para trás ou a olhar para a frente. A forma de viver a olhar para trás privilegia a segurança e as formas que funcionaram. Tudo o que de bom tinha para acontecer já aconteceu e agora tentamos não estragar muito isso, numa lógica de conservação. (…)
A forma de viver a olhar para a frente não o faz porque o que passou é mau, mas porque acredita que a Criação, a Encarnação e a Salvação continuam o seu caminho de plenitude e esta situa-se no futuro e não simplesmente no passado. Portanto, continuamos um caminho de descoberta muito real, onde as coisas são realmente novas, onde descobrimos formas novas de viver a fé, onde a novidade de Cristo é quotidiana, onde o Espírito continua vivo e atuante na Igreja, não para repetir formas do passado, mas para redescobrir o modo de dizer Pai. Onde também a arquitetura descobre formas novas de pensar o espaço litúrgico, para podermos celebrar melhor; onde a música pode ser redescoberta e ganhar sonoridades novas que falem às pessoas do seu tempo, como aliás toda a música litúrgica começou por fazer.
O Papa Francisco, na sua exortação Evangelii Gaudium 49, a propósito da «Igreja em saída», é muito claro em relação ao fechamento da Igreja em seguranças: “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças.”
A tentação da segurança é muito grande. A segurança é extremamente confortável, extremamente pacífica, pelo menos, aparentemente. Não há perguntas que não tenham resposta; não há tensões, a não ser aquela causada pela ameaça de um mundo hostil; dá um caminho inequívoco, sem margem para dúvidas ou procuras; dá garantias de um resultado bom.
“Uma profunda fidelidade ao cristianismo significa permanecer aberto ao seu princípio que é a tradição como ao seu futuro; isto é, ser fiel àquilo que o Cristianismo pode ou poderá vir a ser a fim de alcançar a verdade que é desde sempre: católica (abraçando o todo). A fidelidade deverá abraçar estes dois aspetos“. (Yves Congar, Verdadeiras e falsas reformas na Igreja).
Pe. Duarte Rosado, sj
In Pontos S