Open/Close Menu A Diocese de Viseu é uma circunscrição eclesiástica da Igreja Católica em Portugal

Gostaria de reler o tema bíblico da estrada como lugar da salvação, do encontro com os irmãos e com Deus: aquela situação essencial à Igreja e ao cristão porque comunidade e crente singular estão existencialmente sempre a caminho, como peregrinos. Quando afirmamos a qualidade peregrinante da Igreja, com efeito, não queremos apenas dizer que ela está a caminho rumo ao Reino, mas que ela está nas estradas do mundo, está presente nos itinerários da humanidade, move-se entre os seres humanos entrando em diálogo com aqueles que encontra pela estrada.

Antes de tudo, a estrada é lugar de êxodo. Fazer êxodo é fazer um caminho, sair de uma situação para viajar por estradas desconhecidas, mas percorrendo-as com Deus.

O povo de Israel, no Egito, era escravo e oprimido; a sua condição era marcada por uma “stabilitas” que durava há séculos. Uma estrada sem saída e uma situação imutável. Nascia-se escravo e morria-se escravo, sem conhecer a liberdade e a dignidade humana. Os filhos de Israel eram classe oprimida e assim deviam permanecer.

O êxodo foi um sair desta situação, abandonar uma terra amarga, mas à qual o povo se tinha habituado, por uma terra nova. Por isso, Moisés pede ao faraó: «Deixa partir o meu povo, para que celebre uma festa no deserto!». Só no deserto, fora da escravidão do ser humano sobre o ser humano, Deus pode ser o verdadeiro Senhor, Ele que não suporta concorrentes no seu ser senhor sobre o ser humano: nem ídolos, nem poderes, nem faraós.

Assim Deus traça uma estrada, convida o povo a colocar-se nela. E Israel abandona as falsas seguranças, submete-se a uma vida dura e austera, renuncia às comodidades pagas a alto preço no Egito, e torna-se um povo “na estrada”, obrigado a caminhar unicamente pela sua fé.

Só Deus sabe para onde a estrada conduz e conhece o ritmo da marcha. Aos crentes não cabe fazer planos, prever paragens, recuos ou avanços. Deus permanece livre para levar o seu povo para onde quer: é o Deus da estrada. O importante é que o povo permaneça na estrada e não caia na tentação do regresso ao Egito, chorando as panelas de carne e de cebola, nem decida parar e instalar-se. Neste sentido, o facto de a estrada passar pelo deserto é uma garantia: nele não se pode parar durante muito tempo nem se pode voltar atrás.

Israel torna-se assim a parábola viva do crente, da Igreja, da humanidade. É preciso pôr-se a caminho, é preciso fazer um êxodo para encontrar o Senhor. Qualquer que seja a sociedade em que se vive, na medida em que ela sente o efeito da mentalidade mundana, a Igreja, o crente, de uma situação enclausurada e esclerosada, instalada, devem empreender o êxodo e tomar a estrada. (…)

 É na estrada que se faz caminho, e a estrada revelar-se-á rica de encontros. Se o êxodo amedronta, porque conduz por estradas desconhecidas, faz perder as falsas seguranças, as velhas amizades, as proteções a que estávamos habituados, sabemos que a estrada é por excelência o lugar do encontro.

Não é por acaso que é na estrada que Jesus exerce o seu ministério. Apresenta-se desde logo como o homem que está na estrada. Com as pessoas da estrada entretece-se um diálogo verdadeiramente profundo, fiel e estável até reconhecer naquelas pessoas a sua verdadeira família. Jesus sabia dar espaço à escuta dos outros, aproximar-se de quem encontrava, convidar os outros a escutá-lo.

Enzo Bianchi, In Il blog di Enzo Bianchi

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