Uma das conquistas da modernidade foi o princípio da subjetividade. O sujeito está no centro de tudo. Fora dele não há nenhuma verdade objetiva, e tudo depende do modo de como ele apreende o objeto.
Esta absolutização da subjetividade leva ao relativismo, no qual, o sujeito começa a sentir-se angustiado porque não tem critérios sólidos para estabelecer um projeto de vida a longo prazo, pois tudo é líquido e efémero, depende da onda do momento. Assim, o sujeito ora é arrastado por uma ideologia ora por outra e, dificilmente, consegue ancorar-se em valores que lhe deem um sentido autêntico e profundo de vida.
Há, contudo, um caminho alternativo para não nos sufocarmos pelo niilismo que nos rouba os valores essenciais de uma vida com sentido. Por isso, creio que o cristianismo ainda pode ser útil para o homem de hoje, pois nele encontramos uma proposta de sentido a partir de Jesus de Nazaré. Essa proposta não é nem conservadora nem progressista, mas radical.
A proposta radical de Jesus tem em conta a subjetividade, mas não na sua versão extrema, onde Deus aparece retirado do horizonte de vida. Parte-se da convocação a uma verdade relacional (“vinde e vede”), na qual cada pessoa é provocada a ser ela mesma a partir de um desabrochar de dons que são postos ao serviço de uma causa maior: os mais frágeis. A subjetividade moderna é individualista, pois o sujeito olha unicamente para si mesmo e para as suas próprias necessidades.
A subjetividade que Jesus propõe, pelo contrário, coloca no centro, não as necessidades particulares do sujeito, mas a partilha que considera a totalidade da vida. O Papa Paulo VI resumia no seguinte princípio: “o homem todo e todo o homem”, isto é, o ser humano como um todo, não exclusivamente na dimensão consumista que devora vidas ao preço de um sistema de economia que prega a ideia equivocada de progresso.
O cristianismo como projeto de sentido considera também um ser e um fazer específicos. A dimensão do ser reside no valor do tempo. Enquanto a nossa sociedade ocidental gasta o tempo para ocupar espaços, devorando os bens da natureza, esquecendo-se do princípio do cuidado, o cristianismo apela a algo maior que consiste em viver o tempo como ocasião de experiência que nutre relações com uma transcendentalidade e com rostos concretos. Além disso, o tempo para a nossa cultura hodierna é investido para gerar sujeitos de desempenho que de tanto imporem exigências, acabam por infartar psiquicamente. Mas, o tempo no cristianismo é cuidar do outro e este deve ser o seu único fazer.
O apelo do tempo reside naquilo que é recordado pelo filósofo Byung-Chul Han: “Há, porém, um outro tempo, a saber, o tempo do outro, um tempo que eu dou ao outro. O tempo do outro como dádiva não se deixa acelerar. Ele também se furta ao trabalho e ao desempenho, que sempre exige o meu tempo. […] Apenas o tempo do outro liberta o eu narcisista da depressão e da exaustão.” (HAN, É favor fechar os olhos).
A proposta de sentido do cristianismo, portanto, consiste num olhar profundo sobre nós mesmos para curarmos a nossa subjetividade dos exageros e colocarmo-la naquele movimento em direção ao cuidado do outro. Não vivemos para nós mesmos. A nossa vida alcança o seu ápice quando descobrimos a dádiva do outro!
Pe. Ademir Guedes Azevedo
In Instituto Humanitas Unisinos