A Diocese de Viseu vem, por este meio, informar que está concluído o processo canónico instaurado contra o Padre Luís Miguel Figueira da Costa, sacerdote nesta diocese.
O decreto penal definitivo, que é enviado em anexo, determina uma pena de suspensão, por um período de três anos. O sacerdote fica assim proibido de exercer todos os atos do poder de ordem, com exceção da celebração da Eucaristia em privado; todos os atos do poder de governo; e o exercício de todos os direitos e funções inerentes ao ofício.
A esta pena estão anexos: um programa de tratamento de dependência de álcool, de acompanhamento psicológico e retiro espiritual anual de um mês em instituição religiosa, a cumprir durante o período de suspensão. Estas medidas terão a vigilância da autoridade eclesiástica, que ficará responsável pelo cumprimento das mesmas.
A Diocese de Viseu, na pessoa do seu Bispo, D. António Luciano, reforça publicamente a sua solidariedade fraterna para com a vítima e continua atenta e vigilante, assumindo o compromisso de reforçar a prevenção, de forma a evitar atos desta natureza no âmbito eclesial.
D. ANTÓNIO LUCIANO DOS SANTOS COSTA,
POR MERCÊ DE DEUS E DA SÉ APOSTÓLICA, BISPO DE VISEU
Protocolo 706/2021 – 91085
DECRETO PENAL
De acordo com o can. 1720 do Código de Direito Canónico, após submissão ao Dicastério para a Doutrina da Fé do Decreto de encerramento do processo administrativo penal instaurado contra o clérigo presbítero Luís Miguel Figueira da Costa, atentas as observações do referido Dicastério, assim formulamos:
FACTOS E ITER PROCESSUAL
1. Em 29 de março de 2021, foi apresentada à Comissão de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis da Diocese de Viseu uma denúncia contra o padre Luís Miguel Figueira da Costa comunicando factos ocorridos no dia 27 de março de 2021 relacionados com um menor, na altura com 14 anos de idade, designadamente que, nessa data, foi abordado pelo denunciado, “com intenção de desenvolvimento de actos de cariz sexual”.
2. Foi junta, pelo pai do menor, transcrição das mensagens enviadas do telemóvel com transcrição efetuada por notário, enviadas no dia 27/03/2021, no período compreendido entre as 14.28 horas e as 16.36 horas, desse dia 27 de março.
3. A Comissão Diocesana abriu um inquérito e, em 03 de agosto de 2021, apresentou ao Bispo Diocesano o seu relatório onde conclui que “Mais do que condutas imprudentes, mas sempre impróprias, a Comissão delibera por unanimidade dos seus membros que está retratada nos autos com comprovada verosimilhança a ocorrência de factos muito graves, imputados ao denunciado Padre Luís Miguel Figueira da Costa, susceptíveis de serem consubstanciados como delito grave contra os costumes”. E que, “Por considerar indispensável para tutelar a pessoa ofendida ou outros menores do perigo de outros actos delituosos, a Comissão delibera propor que o Ordinário Diocesano mande denunciar às autoridades civis competentes os factos e prova produzida nos presentes autos.”
4. Esta conclusão e todo o processo foram enviados ao Dicastério para a Doutrina da Fé e para o Ministério Público e, na mesma data – 04 de agosto de 2021 –, o Padre Luís Miguel Figueira da Costa, por Despacho do Bispo Diocesano, foi afastado de todo o ministério sagrado e de todos os cargos que, então, exercia, impondo-lhe o dever de não se ausentar do país e manter-se contactável pelas autoridades civis e eclesiásticas. Foi também aconselhado a remeter-se ao silêncio e à oração, possivelmente numa instituição religiosa.
5. Com data de 31 de agosto de 2021, a Congregação para a Doutrina da Fé (Protocolo 706/2021 – 91085), dada a gravidade da acusação, deu orientação para que se realizasse uma Investigação Prévia.
6. Em 18 de agosto de 2022, por Decreto, o Bispo Diocesano encerrou a Investigação Prévia e mandou que fossem enviadas as atas para o Dicastério para a Doutrina da Fé.
7. De acordo com instruções do Dicastério para a Doutrina da Fé, com data de 22 de setembro de 2022, o Bispo Diocesano mandou realizar um processo administrativo penal para a eventual aplicação de pena canónica.
8. Nomeada a Comissão para a tramitação do processo administrativo penal por Decreto de 5 de dezembro de 2022, esta desenvolveu o seu trabalho, de acordo com o can. 1720. Também solicitou uma perícia psicológica ao arguido que foi realizada por perita em Psicologia Clínica e da Saúde, OPP, em Neuropsicologia, OPP, e em Psicologia da Justiça, OPP.
9. Com data de 06 de agosto de 2024, a Comissão apresentou o seu parecer ao Bispo Diocesano. Este, após cuidada análise e ponderadas todas as implicações inerentes ao caso, declarou, por Decreto de 12 de agosto de 2024, a pena de suspensão do presbítero Luís Miguel, notificando-o da mesma.
10. Enviado o Decreto ao Dicastério para a Doutrina da Fé para confirmação, o mesmo Dicastério, com data de 21 de outubro 2024 deu instruções para este Decreto Definitivo.
IN IURE
No primeiro capítulo do Livro VI do Código de Direito Canónico estabelecem-se os fundamentos do sistema penal canónico. Afirma-se, antes de tudo, a capacidade da Igreja, como sociedade espiritual de homens que caminham na História, de estabelecer leis penais e de sancionar as condutas delitivas. Afirma-se, também, a estreita relação que existe no governo pastoral da Igreja entre o uso da caridade e o emprego, quando necessário, do castigo, com o fim de obter os três fins procurados com a disciplina penal: a restabelecimento da justiça ferida, a emenda do sujeito que cometeu o delito e a reparação do escândalo.
Além disso, neste mesmo título, indicam-se também as várias categorias de sanções que existem na Igreja, como consequência das suas características espirituais.
A finalidade que têm as leis é a de proteger aqueles bens essenciais sobre os quais de apoia a sociedade. No caso da Igreja, a lei penal cinge-se a estabelecer um número muito limitado de delitos, para castigar somente as condutas externas que a Autoridade eclesiástica tenha identificado como especialmente lesivas da comunhão de fé, de sacramentos e de governo, como também para defender os direitos das pessoas e a ordem da justiça.
A Autoridade eclesiástica competente tem, por sua parte, obrigação de proteger esses bens e de governar pastoralmente a grei que lhe foi confiada. Deve, com efeito, utilizar as sanções estabelecidas pela lei comum da Igreja, recorrendo à imposição de penas, sempre com equidade, e tendo presentes as três finalidades da disciplina penal da Igreja.
Outro aspeto fundamental que há que considerar é a tomada de consciência, por parte da Autoridade eclesiástica, do carácter pastoral da sanção penal canónica. O Santo Padre recorda, na constituição apostólica Pascite gregem Dei, que muitos «têm sido os danos que ocasionou, no passado, a falta de compreensão da relação íntima que existe na Igreja entre o exercício da caridade e a atuação da disciplina sancionatória, sempre que as circunstâncias e a justiça o requeiram. Esse modo de pensar – a experiência o ensina – traz o risco de contemporizar com comportamentos contrários à disciplina, para os quais o remédio não pode vir apenas de exortações ou sugestões. Esta atitude traz, frequentemente, consigo o risco de que, com o decorrer do tempo, tais modos de vida se cristalizem tornando mais difícil a correção e agravando, em muitos casos, o escândalo e a confusão entre os fiéis. Por isso, por parte dos Pastores e dos Superiores, resulta necessária a aplicação das penas. A negligência do Pastor no emprego do sistema penal mostra que não está a cumprir reta e fielmente a sua função, como temos assinalado claramente nos documentos recentes, como as Cartas Apostólicas em forma de “Motu próprio” Como uma Mãe Amorosa, de 4 de junho de 2016, e Vos estis lux mundi, de 7 de maio de 2019». (cf. Dicastério para os Textos Legislativos, AS SANÇÕES PENAIS NA IGREJA – Subsídio aplicativo do Livro VI do Código de Direito Canónico, Cidade do Vaticano 2023, nn. 2-4, pp. 20-22).
DIREITO APLICÁVEL
1. De acordo com o can. 1341, é dever do Ordinário iniciar um “procedimento judicial ou administrativo para aplicar ou declarar as penas quando tenha constatado que, nem pelo caminho da solicitude pastoral, sobretudo com a correção fraterna, nem com a admoestação, nem com a repreensão, é possível obter suficientemente o restabelecimento da justiça, a emenda do réu e a reparação do escândalo”.
2. Preceitua o can. 1395:
§ 2. “O clérigo que, por outra forma, delinquir contra o sexto mandamento do Decálogo, se o delito for perpetrado publicamente, seja punido com penas justas, sem excluir, se o caso o requerer, a demissão do estado clerical”.
§ 3. “Com a mesma pena prevista no § 2, seja punido o clérigo que, com violência, com ameaças ou com abuso de autoridade comete um delito contra o sexto mandamento do Decálogo ou obriga alguém a realizar ou a sujeitar-se a atos sexuais”.
A particularidade do delito considerado no § 2 consiste na publicidade com a que se comete o pecado contra o sexto mandamento do Decálogo por parte do clérigo. O elemento que especifica é, portanto, a publicidade do ato pecaminoso, e o escândalo que causa na comunidade e que requer reparação oportuna.
O § 3 do mesmo can. 1395 tipifica condutas delitivas dos clérigos, que consistem em cometer um delito contra o sexto mandamento do Decálogo forçando alguém mediante o uso de violência ou de ameaças, ou mediante o abuso de autoridade; ou em obrigar, desse modo, alguém a realizar ou a sofrer atos sexuais.
3. Também o can. 1398 preceitua:
§ 1. “Seja punido com privação do ofício e com outras penas justas, sem excluir, se o caso o requerer, a demissão do estado clerical, o clérigo:
1.º que cometer o delito contra o sexto mandamento do Decálogo com um menor ou com pessoa que habitualmente tem uso imperfeito da razão ou com aquela à qual o direito reconhece tutela semelhante.”
O § 1 deste cânon considera vários tipos penais referentes ao abuso de menores cometido por clérigos. O abuso de menores refere-se ao delito realizado por um clérigo que comete pecados contra o sexto mandamento do Decálogo (de qualquer tipo) com um menor de dezoito anos, ou com uma pessoa que habitualmente possui um uso imperfeito da razão ou com um sujeito a quem o direito outorga igual proteção. O delito tem lugar também mesmo no caso em que a outra pessoa tenha consentido.
A Autoridade eclesiástica está inexcusavelmente obrigada a abrir a investigação prévia se a notitia criminis resulta verosímil, dando comunicação ao Dicastério imediatamente depois que a investigação tenha confirmado dita notícia. A sanção penal estabelecida é a privação penal do ofício (can. 196), para além das penas expiatórias, dentre as enumeradas no can. 1336, §§ 2-4, que sejam oportunas segundo a gravidade do delito, e não se exclui a demissão do estado clerical.
COMPROVAÇÃO DOS FACTOS
Analisando todo o processo da causa em apreço, considera-se provado:
1. No dia 27 de março de 2021, o presbítero Luís Miguel Figueira da Costa teve um comportamento condenável de cariz sexual com um menor.
2. Tratou-se de um ato isolado, pois nem antes nem depois há constância de atos similares.
3. Tudo indica que o referido comportamento foi resultado de circunstâncias do momento e da propensão do arguido para o exagero no consumo de álcool.
4. Para além deste facto, o comportamento do referido presbítero, ao longo dos últimos anos, mostrou-se adverso em relação à autoridade eclesiástica a vários níveis, sem excluir o Santo Padre.
DISPOSIÇÕES
DECRETAMOS:
1. De acordo com o can. 1395 §§ 2 e 3, a pena de suspensão, por um período de três anos, do presbítero Luís Miguel Figueira da Costa, proibindo-lhe:
– todos os atos do poder de ordem, com exceção da celebração da Eucaristia em privado;
– todos os atos do poder de governo;
– o exercício de todos os direitos e funções inerentes ao ofício.
2. A esta pena estão anexos: um programa de tratamento de dependência de álcool, de acompanhamento psicológico e retiro espiritual anual de um mês em instituição religiosa, a cumprir durante o período de suspensão.
Notifique-se e publique-se nos termos do direito.
Viseu, 22 de novembro de 2024
+António Luciano dos Santos Costa, Bispo de Viseu