Numa banda desenhada, uma menina contava à sua amiga que, para este Natal, tinha pedido aos pais que não lhe dessem presentes, mas apenas “espírito natalício”, e que os pais tinham ficado desconcertados, sem entender nem saber que fazer. A mensagem parece-me muito pertinente e coloca-nos certamente a pergunta: o que é o espírito natalício?
Dá a impressão de que para responder haveria que empreender uma corrida de obstáculos através de muitas barreiras, entre outras as que nos impõe o acelerado consumismo de fim de ano. Mas a pergunta está aí. Ao longo dos tempos, a arte procurou expressá-lo de mil maneiras e conseguiu avizinhar-nos muito do significado desse espírito natalício. Quantos contos de Natal nos oferecem histórias que nos aproximam dele!
E, no entanto, é precisamente um relato, um relato histórico, que nos abre as portas ao real significado do “espírito natalício”. Um relato simples e preciso. Diz assim: «Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria. Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida. E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria» (Lucas 2, 1-7).
Trata-se de um relato histórico, simples e com marcada referência ao caminho percorrido pelo povo de Israel. Quando Deus elegeu o seu povo e começou a caminhar com ele, fez –lhe uma promessa; não lhe vendeu ilusões, mas semeou a esperança nos seus corações; a esperança nEle, Deus que se mantém fiel pois não pode desdizer-se a si mesmo; deu-lhe essa esperança que não defrauda. Baseados no relato acima transcrito, nós, cristãos, sustentamos que essa esperança se consolidou. Consolida-se e lança-nos para diante, até ao momento do reencontro definitivo. Assim se manifesta o “espírito natalício”: promessa que gera esperança, consolida-se em Jesus e projeta-se, também na esperança, até à segunda vinda do Senhor.
O relato citado continua a narrar a cena dos pastores, a aparição dos anjos e o cântico que é mensagem para todos: «Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens por Ele amados». A esperança consolidada não aponta só para o futuro, mas também transborda no próprio presente e expressa-se em desejos de paz e fraternidade universal que, para se converterem em realidade, têm de se enraizar em cada coração nosso.
Cada vez que leio o relato e contemplo a cena, penetrando neste espírito de esperança e de paz, penso em todos os homens e mulheres, crentes ou não crentes, que percorrem o caminho da vida e trilham a senda de muitas procuras, na esperança ou na desesperança, e em mim brota o desejo de me aproximar, de desejar paz, muita paz, e também de a receber; paz de irmãos, pois todos o somos, paz que constrói.
Será isto parte do espírito natalício que aquela menina da banda desenhada reclamava ao seus país?
Jorge Bergoglio (Papa Francisco)
In Secretariado da Pastoral da Cultura