
Todos os anos, a Igreja em Portugal dedica uma atenção especial à sua organização social, a Cáritas, como forma de sensibilizar, formar e envolver os cidadãos, crentes e não crentes, para a prática da generosidade e partilha, isto é, para a prática da caridade. Para o cristão, à luz do Evangelho, praticar a caridade não é somente um imperativo de cidadania, mas constitui-se uma exigência evangélica. No dizer do teólogo Albert Schweitzer, o cristão não deve contentar-se em falar da caridade para com o próximo, mas praticá-la. O lema deste ano fala por si: “Envolva-se, nem sabe o bem que sabe”. É um convite objetivo e claro à participação ativa na construção de uma sociedade mais justa, atenta e próxima da miséria humana. Na minha perspetiva, este apelo torna-se mais uma oportunidade pastoral para envolvermos e educarmos para as práticas da caridade cristã nas paroquias e nas instituições Sociais e Paroquiais (IPSS). Como fazê-lo? Como formar e educar os nossos fiéis para Caridade Cristã?
Acima de tudo, é necessário assumirmos que a educação para o Amor – Caritas – exige um “olhar” e um “ver” crente da realidade em que vivemos, e implica práticas concretas e consequentes. Sobre este olhar crente, Santo Agostinho escreveu: «Se vês a caridade, vês a Trindade». De facto, a pessoa humana quando se deixa tocar pelo Amor de Deus, renova-se e torna-se mais apta e disponível para agir em comunhão com a ação pastoral da Igreja. Trata-se do Amor divino a suscitar uma corrente de amor humano que, consequentemente, eleva a vida da pessoa e da comunidade cristã a uma espiritualidade missionária e sinodal. Na encíclica Deus Caritas Est o Papa Bento XVI desafiou a Igreja, nos seus membros, a uma maior dedicação à práxis da caridade, apontando que o «Programa do cristão – o Programa de Jesus – é um coração que vê». Este coração, refere Bento XVI, «vê onde há necessidade de amor, e atua em consequência». Ou seja, na prática, tudo começa com um olhar: «o olhar fixo do lado trespassado de Cristo» na cruz (cf. 1 Jo 19,37). É a partir daquele olhar que «o cristão encontra o caminho do seu viver e amar». Mais tarde, o mesmo Papa, reforça esta ideia afirmando na encíclica Caritas in Veritate que «o Amor – “Caritas” é uma força extraordinária, que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz». Assim, em definitivo, pode afirmar-se que a caridade edifica a Igreja e é essencial para a sua missão. Dentro deste quadro de compreensão, a Caridade apresenta-se como um verdadeiro acontecimento e encontro. Encontro com o olhar de Jesus que salva, redime e transforma a vida de cada pessoa. Um encontro que converte e dá qualidade às relações humanas, onde o outro é sempre prioridade, onde na pessoa do outro se consegue ver o “outro Cristo”. Serve de exemplo Madre Teresa de Calcutá que via Cristo onde outros viam um desgraçado. Diz-nos o Papa Francisco: «só fixando o olhar em Cristo é que se conhece cabalmente a verdade das relações humanas». Ou como dizia Dostoievski num misto de genialidade e fé: “Amar alguém significa vê-lo como Deus o concebeu”. Neste contexto, para melhor exercitarmos a Fé com obras concretas de Amor-Caritas, deixo três propostas práticas:
– Uma urgente mudança de mentalidade no que concerne à tendência de reduzir a Caridade a um setor da Pastoral, normalmente à pastoral social, limitando-a a ações circunstanciais de assistencialismo;
– Acolher, acompanhar e integrar todas as famílias que estão marcadas pelo sofrimento e pela fragilidade através de um percurso de reconciliação e de amor misericordioso;
– Educar à «formação do coração», especialmente, nas instituições de solidariedade social, de forma a melhor humanizar e cristianizar os serviços de cada uma delas.
Pe. João Zuzarte