
Qual o pensamento de Vicente de Paulo sobre as novas descobertas científicas? Como situá-lo? No ambiente retrógrado dos meios rurais, marcados pela ignorância, ou nos ambientes reacionários de quem desconfia, à partida, de tudo o que é novo?
Um dos aspetos mais discutidos, no seu tempo, está relacionado com a astronomia. Em 1654, com 74 anos, recebe duas cartas de um confrade de Cracóvia, confessando-lhe o seu medo pelo que, um eclipse solar havido, trará de malefícios no futuro. O Padre Vicente na primeira resposta diz-lhe simplesmente «que estes sinais extraordinários não são indício certo de algum mau acontecimento», mas, percebendo que isso era um assunto que perturbava o confrade e a Comunidade, responde-lhe à segunda, em que mistura a ironia, a pedagogia e a informação científica: «Os nossos astrólogos asseguram ao público de que não há nada a temer quanto ao eclipse. Se o eclipse comportasse toda a malignidade de que você me falava, pelos maus efeitos com que nos ameaça, sentiríamos muitas mais vezes a fome, a peste e os flagelos outros de Deus sobre a terra.
Por outro lado, diante da conceção mágica do mundo, então dominante, diante da crença da possessão demoníaca, como tentativa de explicar o que não se entendia, o Padre Vicente de Paulo toma uma atitude contrastante com o seu tempo. Com efeito, perante uma jovem que todos diziam possessa, o Padre Vicente vê apenas uma questão de temperamento melancólico. Na carta que escreve aos pais da jovem, afirma: «Há três ou quatro meses recebi ordens do senhor oficial de Paris para visitar a vossa filha, pois receavam que essa jovem tivesse alguma possessão ou obsessão maligna. O motivo que apresentavam era a aversão que ela tinha pelas coisas de Deus. Fui visitá-la. Falou-me da sua situação com acerto e candura; embora um pouco melancólica, tem um espírito incomparavelmente mais são e mais sólido do que o comum das raparigas.
A doente confessa-se e pede para receber a Eucaristia por iniciativa própria, sem qualquer pressão exterior. E na mesma carta, o Padre Vicente de Paulo continua: «depois de curada, ela sentia-se totalmente livre, de modo que pediu para continuar a confessar-se e a comungar comigo, fez isto com toda a liberdade de espírito como o faria outra pessoa qualquer».
Vê-se que Vicente de Paulo é bem permeável à mudança gradual de um universo cultural marcado pelo maravilhoso, por um outro universo marcado pela procura racional dos fenómenos, com base na experiência. Palavra que muitas vezes repetia: «Esta é a minha experiência».
Pe. José Alves, CM