No tempo de São Vicente de Paulo, numa França dilacerada por guerras religiosas (Calvinismo, Jansenismo, …) cujas marcas continuavam bem vivas no coração das pessoas, a linguagem era dura e o preconceito dividia, em muitos casos, sem possibilidades de aproximação e muito menos de bom relacionamento. Expressões de vingança e de ódio apareciam em declarações, de parte a parte. Face a esta questão, o que pensava o Padre Vicente? Como agia?
O Padre Vicente de Paulo cedo teve contacto com homens de outros “credos”, pelas piores e pelas melhores razões: a sua ordenação sacerdotal ocorreu na capela da residência episcopal, em Château-l’Évêque, onde o bispo de Périgueux se encontrava exilado porque a catedral tinha sido incendiada pelos calvinistas; no cativeiro, teve contacto com a mulher do seu dono, cristã ortodoxa, ele, um apóstata, natural de Nice, e, através dela, o marido retorna à fé católica e dele se serve Deus para libertar o Padre Vicente, fugindo, de barco, com a família para Avinhão, no sul de França. Por vezes, abordavam-se estas questões a partir do preconceito: “se é como eu penso, é bom”, caso contrário, “é mau”; “se é católico, é bom, se não é católico, é mau”.
Sobre a validade do sacramento do Batismo ministrado pelos huguenotes, corria a informação de que não era válido porque não respeitava o essencial da forma. O Padre Vicente pede a um missionário, a trabalhar nessa zona, que investigue, seriamente, sem fazer ruído, e o informe; a quem lhe pedia esclarecimento comunica: “depois de uma séria investigação para saber a verdade, os huguenotes batizam validamente porque não falham no essencial”.
Vemos que no Padre Vicente de Paulo há uma preocupação ecuménica que vai fazer escola nos Padres da Congregação da Missão. Por isso, não resisto a fazer uma referência a um acontecimento moderno que está na origem do movimento ecuménico da Igreja e que vai culminar no Concílio Vaticano II com o Decreto “Unitatis Reintegratio”, sobre o ecumenismo: as Conferências de Malines. Protagonistas destas Conferências foram o Lord Halifax (anglicano) e o Padre Fernando Portal, CM (francês, da Congregação da Missão) ambos temporariamente a residir na ilha da Madeira, lugar escolhido providencialmente, para arquitetar este arranque do movimento ecuménico, mais tarde (em 1925) a desabrochar com o alto patrocínio do cardeal Mercier, arcebispo de Malines, e do arcebispo de Cantuária, Randal Davidson.
De destacar, igualmente, o Padre Justino de Jacobis, missionário vicentino na Etiópia, herdeiro desta preocupação ecuménica do Padre Vicente Paulo, que vai chamar para Igreja Católica uma parte dos cristãos de tradição copta daquele país, respeitando, contudo, os seus ritos, língua e tradições litúrgicas.
É na aceitação da diferença, no acessório, que se constrói a comunhão no essencial: em Jesus Cristo.
Padre José Alves, CM