“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (GS nº1).
Estas palavras do Concílio Vaticano II na Gaudium et Spes, são uma chamada de atenção para cuidarmos da vida das pessoas nos mais diversos cenários da sua existência com dignidade, respeito e responsabilidade.
Estamos a celebrar os 80 anos da criação do Tribunal de Nuremberga, criado para julgar os crimes cometidos durante a II Guerra Mundial, por falta de respeito pela pessoa humana, pelo abuso de poder e por tantas atrocidades cometidas contra a humanidade.
Na sociedade atual, desafiada pela inteligência artificial, num desenvolvimento humano integral, com padrões científicos novos, propostas tecnológicas, económicas e sociais ameaçadas por guerras, violências, ódios e mortes de pessoas inocentes, é necessário promover os valores do humanismo e da democracia, como bandeira levantada para a proteção e defesa dos mais frágeis e vulneráveis.
O respeito pela vida humana e a defesa da sua dignidade está intrinsecamente unida à existência do ser humano, na dimensão bio-psíquico-social, e espiritual dotada de razão, de espírito de inteligência, de consciência, de sentimentos e de vontade. O primeiro direito a ser enunciado é o seguinte: “o direito à vida, desde o momento da concepção até ao seu fim natural” (João Paulo II, Evangelium Vitae, nº 2; cf. DH,nº 1).
A fonte última dos direitos humanos não se situa na mera vontade de cada um, nem na realidade do Estado, nem nos poderes públicos, mas no mesmo homem e em Deus, seu Criador. Tais direitos são “universais e invioláveis […] absolutamente inalienáveis” (João XIII, Pacem in Terris, nº 9).
O respeito pelos Direitos Humanos assume o valor emblemático do “autêntico progresso do homem em qualquer regime, em qualquer sociedade, sistema ou ambiente” (João Paulo II, Redemptor Hominis, nº 17).
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada a 10 de dezembro de 1948, precisamente há 77 anos, merece o nosso respeito e estima e deve ser de novo apresentada a todas pessoas de boa vontade como um texto fundamental para criar uma sociedade com regras, mais justa e fraterna, que respeite cada ser humano e o defenda de tantas ameaças nesta era da globalização.
Os analistas sociais e políticos ajudam-nos a fazer uma leitura emergente da sociedade e da falta de respeito pelos direitos humanos.
Infelizmente, existe uma distância grande entre a “letra” e o “espírito” dos direitos do homem na vida concreta de cada dia. A Igreja adverte profundamente para a exigência de se cumprir dentro do seu próprio âmbito, a justiça. Animada pelos princípios da Doutrina Social da Igreja promove uma cultura de respeito pelos direitos do homem e pela construção de uma sociedade solidária e fraterna. “A Igreja confia sobretudo na ajuda do Senhor e do seu espírito, que, derramado nos corações, é a garantia mais segura do respeito da justiça e dos direitos humanos, e de contribuir, portanto para a paz: promover a justiça e a paz, penetrar com a luz e o fermento evangélico todos os campos da existência social, tem sido sempre um constante empenho da Igreja em nome do mandato que recebeu do Senhor” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Principia, p.113).
O empenho pastoral nesta matéria tem sempre uma dupla direção: anunciar o fundamento cristão dos direitos do homem e a denúncia da violação de tais direitos. O anúncio é sempre maior e mais importante e daí deriva a promoção e o valor da dignidade humana, que nos estimula a denunciar os males, as violações, as guerras e as injustiças do nosso tempo.
Nesta caminhada de Advento, tempo por excelência de vigilância, de escuta, de acolhimento, de conversão, de discernimento, de oração e de apelo profundo a uma paz estável e duradoura, o homem descobre a sua vocação sublime: “Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente” (GS 22).
Pelo mistério da sua encarnação, Jesus, o Filho de Deus, nascido da Virgem Maria, uniu-se de certo modo a cada homem para elevar no seu ser a sublime dignidade humana.
+ António Luciano, Bispo de Viseu