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Perante a realidade do sofrimento surge a natural pergunta sobre qual o seu sentido? A epidemia surgida nos EUA, em 1918, alastrou-se pelo mundo matando cerca de 30 milhões de pessoas (a mais mortífera de sempre). Cem anos depois, em 2019, surge na China o ‘covid’19’, que disseminou por todo o lado, gerando mais de 7 milhões de vítimas mortais (a quinta maior). São ‘apenas’ dois exemplos ilustrativos da existência de um sofrimento atroz que vai assolando a humanidade. As respostas simplistas são insuficientes para compreender esta realidade (se é que alguma vez se chegue a compreender!).

Algumas das respostas analisadas anteriormente não satisfazem plenamente e, com frequência, são explicações contextualizadas e geográficas. Na Bíblia temos outras respostas diferentes, como o caso do livro de Job. Dizem os estudiosos que o livro foi composto pelo menos por dois autores, que tinham visões diferentes do problema do sofrimento. A parte narrativa apresenta um Deus que recompensa quem resiste à provação. Os diálogos poéticos mostram um Job impaciente e até desafiador de Deus. Na narrativa o nome de Deus é ‘Senhor’, enquanto que na poética se chama ‘El, Elói, Shaddai’. Na narrativa em prosa, o sofrimento é visto como uma espécie de prova de fé; por seu lado, na parte poética o sofrimento é apresentado como algo que permanece incompreensível.

É curioso referir que Job não é propriamente israelita, ele provém de Edom, podendo significar que este problema é transversal às culturas e às religiões. Outra curiosidade é que Satanás não é visto aqui como o ‘Adversário’ de Deus, mas como o Seu ‘repórter’. Ele é também o intermediário para a desgraça de Job. Despojado de quase tudo, Job é visitado por três amigos – Elifaz, Baldad e Sofar. Não argumentam, nem comentam. Ficam em silêncio ao lado do seu amigo, como presença consoladora. A sua atitude muda radicalmente na parte poética, comportando-se como verdadeiros acusadores e juízes de Job.

Para o autor a mensagem é clara: Deus é digno de louvor, apesar das circunstâncias adversas. Se a explicação do sofrimento se limitasse a esta constatação – Deus envia o sofrimento para testar a fidelidade do ser humano – poderíamos interrogar-nos se este Deus é digno do nosso louvor ou antes do nosso temor? A explicação final deve ser algo mais complexo. Na parte poética Job não consegue formular uma explicação do sofrimento do inocente. A única que fica é que o sofrimento não tem explicação, porque até o próprio Deus permanece em silêncio.
No final, surge uma quarta figura – Eliú – que reforça a ideia de que Job está a sofrer as consequências da sua má conduta. Mas introduz, junto de Job, a ideia de este poder reagir e questionar, mas a resposta de Deus é categórica: quem é Job para questionar as ações de Deus? Nos capítulos 38 e 39 a reação é esmagadora para Job: pode uma ínfima criatura temporal ousar compreender os insondáveis desígnios de Deus? As interrogações que Deus coloca a Job são impossíveis de responder, tal como as ações do Criador.

No capítulo 42, quando a voz retumbante e imperiosa de Deus se cala surge a tomada de consciência de Job, assumindo a sua insignificância e confessa o seu erro. Na parte poética do livro os três ‘amigos’ de Job oferecem várias reflexões, mas todas coincidem no seguinte: Job fez algo de muito mal, por isso deve arrepender-se para aplacar a cólera de Deus e poder voltar a abençoá-lo com todos os bens. Job reclama a demasiada proximidade de Deus através da bênção ou da maldição. A resposta de Deus a Job é que o ser humano não pode, cabalmente, compreender o mistério do sofrimento, em particular do inocente. (continua…)

P. Virgílio Marques Rodrigues

 

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