LIVRO DO ECLESIASTES
O Livro do Eclesiastes é um dos livros mais curiosos e interessantes da Bíblia porque está aberto a uma compreensão da condição humana num âmbito universal. Não é o resultado de uma revelação direta de Deus, mas o resultado da busca de uma reflexão sobre o mundo e como ele funciona. É claro que esta busca não prescinde de Deus. Sendo classificado como um livro da literatura sapiencial bíblica, não é, como o caso do livro dos Provérbios, um acumular do saber ao longo dos tempos, mas o resultado das observações diretas da vida, marcada pela morte.
Embora o autor do livro se identifique com o rei Salomão, os estudiosos consideram isso inverosímil, visto que o texto contém algumas palavras persas, o que se justifica como exílio da Babilónia, em 586 a. C. Além disso contém arameísmos, estranhos no século X a. C. Daí ser plausível que tenha sido escrito por volta do século III a. C.
O início do Livro (cf. Ecl 1, 1-12) resume toda a reflexão através da simples palavra ‘vaidade’. A palavra hebraica hevel está ligada à ideia de efémero, não tanto a ‘moda’ ou sentimentos psicológicos.
Trata-se de uma reflexão intramundana, aquela que é possível ter algum conhecimento. Isto não significa que a negue, mas não é objeto desta busca. Com a afirmação: “Vale mais um cão vivo que um leão morto!” (Ecl 9, 4), autor diz que só os vivos podem dizer alguma coisa sobre a vida, os mortos nada. Em algumas passagens o autor deixa perceber que o sentido da vida é a sua fruição nas coisas boas que ela proporciona (cf. Ecl 5, 27 e 8, 15). Embora marcada por uma visão pessimista, mas realista da vida, o autor afasta o suicídio e o ateísmo. Rejeita o primeiro porque seria a anulação da única coisa boa que dispomos para a fruição, mas também exclui a segunda, porque é Deus a consistência desta realidade.
Não é por acaso que o autor ‘se identifica’ com Salomão, considerado o ‘homem mais sábio de todos os tempos’, pois na hora de encontrar uma justificação para o sofrimento não encontra sabedoria razoável para o justificar.
Outra reflexão curiosa que o autor introduz é que o sofrimento não provém de Deus, mas das realidades intramundanas, das circunstâncias que não compreendemos. Na verdade, Deus também não explica o porquê do sofrimento. A conclusão do autor é consequente da sua reflexão: como não podemos explicar esta realidade negativa, o objetivo é evitar o sofrimento próprio, aliviar o sofrimento do outro e prosseguir em frente até ao termo dos dias da nossa vida.
No fundo, esta é uma das grandes constatações e objetivos de todo o progresso humano: evitar e suavizar o sofrimento da condição das criaturas. Para o crente estas são as ‘ferramentas’ que estão ao dispor do ser humano para se humanizar e evoluir para o melhor bem para todos.
Não deixa de ser uma curiosa e desafiante perspetiva da condição terrena do ser humano!
(continua…)
Pe. Virgílio Marques Rodrigues