Antigo presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz realça desafio da «interioridade».
António Bagão Félix espera que o ano de 2017, marcado pelos incêndios, abra espaço a um país mais atento aos territórios mais distantes dos grandes centros urbanos, e à realidade dos que “não têm voz”.
Em entrevista transmitida hoje no Programa ECCLESIA (RTP2), o antigo ministro das Finanças e da Segurança Social sublinha que é tempo de “renovar esperanças”, quer “pessoais” quer “do coletivo do país”, a começar por aquele interior português marcado pelo abandono e desertificação.
Um contexto que as chamas de junho e outubro ajudaram a denunciar, através das várias aldeias mais remotas que foram atingidas.
Para António Bagão Félix, “é preciso aprofundar em 2018 que Portugal não é apenas o litoral e as grandes urbes”, e dar a localidades e populações que foram despojadas de tudo, condições para um futuro diferente, mais sustentável.
“É preciso reabilitar a ideia de aldeia, que tem sido discriminada, segmentada, esquecida. A aldeia no sentido de fora dos centros de decisão e dos grandes centros”, aponta aquele responsável, que recorda a saída que tem acontecido, ao longo das últimas décadas, de várias infraestruturas que eram essenciais à vida das comunidades do interior do país.
“Esta coisa de se retirarem instituições públicas de vária natureza. Como é que querem que haja desenvolvimento? Fecham-se escolas porque custam dinheiro e depois querem que lá nasçam crianças”, questiona o antigo presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz.
O entrevistado defende que é necessário contrariar uma “visão pouco humana da economia”, que tem depois consequências de vária ordem, humanas e materiais.
“Na última década arderam dois milhões e trezentos e cinquenta mil hectares de floresta, quase tudo no interior”, muito por causa do “abandono” em que as pessoas e terras se encontram, sustentou António Bagão Félix.
Num Programa ECCLESIA que projetou “cenários possíveis” para 2018, o antigo ministro destacou ainda acontecimentos positivos que têm de ser potenciados ou consolidados, como a retoma financeira do país, sob pena de a história recente se voltar a “repetir” e o custo desta vez ser “mais caro” e “perigoso” para as populações.
“A crise acabou, foi decretada a sua cessação, e as pessoas voltam aos hábitos agressivamente consumistas de antes da crise. Eu falo sobretudo do crédito ao consumo, que atingiu variações astronómicas em comparação com os últimos anos”, realça António Bagão Félix, para quem é fundamental que os portugueses continuem a “olhar para além do dia seguinte”.
“Duas políticas, a do consumo e a da poupança, têm de ser interligadas e ter em conta dois fatores: o aspeto geracional, de pais para filhos sobretudo; e a circunstância de que perante uma nova crise, as pessoas perceberem que não podem entrar numa espiral de consumismo que vai complicar ainda mais o futuro”, completa António Bagão Félix.
G.I./Ecclesia:PR/JCP