Continuamos hoje a apresentar testemunhos de vocação à santidade por caminhos de consagração. É o testemunho de dois jovens franciscanos da Ordem Terceira, Frei José Carlos e Frei André Scalvini, em entrevista ao Jornal da Beira.
J.B.: O que o levou a seguir o caminho da vida consagrada?
Frei José Carlos (FJC) – É uma pergunta difícil e, ao mesmo tempo, fácil. Por detrás de tudo está o mistério deste Deus que se entrelaça na nossa vida. Foi o Senhor quem me levou porque, se calhar, se formos pelos factos, é difícil dizer. Há coisas na vida que se acreditamos no acaso dizemos que foi por acaso. Mas não foi por acaso. O Senhor conduziu-me até aqui. Desde muito novo sentia este desejo do sacerdócio, mas depois foi passando e faltava-me o contacto. Uma coisa é ser sacerdote, outra coisa é ser religioso e faltava-me esse contacto. Aos meus 19 anos fui para a Suíça trabalhar e estava lá quando li uma notícia no Jornal da Beira – que recebia onde estava – que tinham chegado a Viseu uns frades menores conventuais. Regressei a Portugal e vim trabalhar para Viseu. Comecei a vir à Igreja dos Terceiros, primeiro à missa das oito da manhã, ao domingo, porque depois ia trabalhar. Depois comecei a vir durante a semana, depois vim para rezar as Laudes, depois as Vésperas e depois entrei. Hoje olho para mim e digo que não podia ser outra coisa.
Frei André Scalvini (FAS) – Eu venho de uma família religiosa [de Bréscia, Itália], frequentava a Igreja e vivia num ambiente cristão. As sugestões para a vida religiosa eram muitas, estive na Ação Católica [Italiana]. Depois comecei a estudar geometria e também arquitetura, mas sentia que faltava algo para a minha vida: um diálogo mais profundo com Deus, uma vida dada por Deus. Encontrei um padre que estava na minha paróquia e ele propôs-me fazer um caminho de acompanhamento espiritual porque havia muita coisa na minha vida que precisava de ser arrumada. Daí, começou este encontro e emergiu uma necessidade de amar Deus mais profundamente. Fiz uma peregrinação mariana que foi muito importante, experiências, leituras, muitas coisas que me levaram a uma decisão de entrar num convento dos Franciscanos. Aí fiz uma procura para encontrar a minha vocação porque a vocação de cada um é um mistério.
J.B.: O que representa para si ser um membro da Igreja?
FJC – Penso que é uma grande responsabilidade e, ao mesmo tempo, um grande desafio fazer parte da Igreja, deste compromisso com o Senhor. Usamos um nome que, ao mínimo erro, ou à mínima incompreensão é uma grande responsabilidade, mas um desafio grande. Seguir o Senhor, levar o Senhor é levar algo precioso, uma boa notícia que o mundo precisa. Muitas vezes, o desafio é saber como é que eu posso dar ao mundo aquilo que encontrei e que valeu tanto a pena, para seguir o Senhor.
FAS – É com certeza uma responsabilidade porque esta encontra-se junta com o meu percurso de vocação. É uma responsabilidade pessoal, de crescer em Deus, encontrar a exigência da Igreja e do mundo e de viver e espalhar o Evangelho, trazendo aos outros a alegria do Evangelho.
J.B.: Como vê o mundo atual, onde o afastamento dos jovens da Igreja é cada vez maior?
FJC – O mundo é o nosso claustro, o lugar onde devemos estar, caminhar e anunciar. É um mundo que desafio por uma razão muito simples. A frase que eu escolhi para colocar na minha profissão solene sempre me impressionou muito, e que eu queria ter presente ao longo da minha vida religiosa: ‘Porque Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o seu Filho unigénito, não para o condenar, mas para o salvar (S. João, 3, 16). O mundo amado por Deus é este mundo, um mundo a quem Deus quer manifestar o Seu amor para o salvar. Eu acho que há, principalmente nos mais jovens, muita confusão. Às vezes não se afastam por maldade, mas porque estão confusos, porque falta uma luz. A nossa dificuldade, da Igreja, é transmitir esta mensagem como uma bela notícia. Por vezes, o perigo – que o Papa Francisco não se cansa de combater – é de uma Igreja que pare, que crie muros e se feche em si mesma porque o mundo mete medo. Não podemos ter medo de caminhar no meio do mundo. Temos de ouvir os jovens e estar no meio deles.
FAS – Somos franciscanos, vivemos em comunidade, não estamos fechados. Acho que é um desafio para todos os cristãos porque, por exemplo, os casamentos estão em crise, todas as vocações. Todos têm responsabilidades. Acho que é necessário viver a vocação cristã e encontrar o mundo, como diz o Papa Francisco, porque o mundo precisa do anúncio do Evangelho. Se calhar, estamos a reviver os primeiros tempos da Igreja Cristã onde havia mais paganismo. Não devemos ver a sociedade como um mal, mas como algo que precisa de encontrar o Evangelho. Não podemos viver o Evangelho sem luta, não entre os cristãos e o resto do mundo, mas entre o Bem e o Mal. Essa luta é transversal ao Homem. Mas sabemos que é uma luta que Cristo venceu.
J.B.: Qual é o trabalho que desenvolve na Diocese de Viseu?
FJC – Chegámos aqui em setembro do ano passado. O trabalho não se limita aqui [Igreja dos Terceiros]. No tempo da Quaresma e da Semana Santa vinham muitas pessoas de todo o lado da Diocese e encontram-nos aqui. Mas sempre que é possível nós saímos [este fim de semana (7 e 8 de abril)] estaremos com os jovens do Crisma, em Vouzela. Vamos ajudar um pouco as paróquias que nos pedem. A nível nacional temos encontros. No próximo verão iremos a Assis [Itália] com um grupo grande de jovens de várias partes do país. Acolhemos jovens à procura vocacional – neste momento temos cá dois. Estamos aqui, mas estamos disponíveis porque o nosso claustro é o mundo.
FAS – A nossa comunidade, como referimento vocacional, é uma das três que existem em Portugal (Coimbra e Lisboa). É uma referência para os jovens que vêm à procura vocacional.
G.I./J.B.:PBA