Irmão Martins: “TENTAMOS QUE SEJA O MAIS FIEL POSSÍVEL”.
“Esta Procissão é a recriação do Enterro do Senhor que tentamos que seja o mais fiel possível. Cristo morto que, simbolicamente, vamos sepultar na Sé, num ato piedoso, e que sensibiliza os cristãos para uma melhor preparação para a Páscoa”. A definição é do irmão Martins, porta-voz da Ordem Terceira de S. Francisco de Viseu, responsável pela organização da Procissão do Enterro do Senhor, uma das cerimónias mais emblemáticas da Semana Santa de Viseu.
Dos muitos dados históricos disponíveis percebe-se que a Procissão de Enterro se estabeleceu em Portugal, pela devoção dos fiéis, nos fins do século XV e princípios do século XVI. Realizou-se inicialmente no Mosteiro Beneditino de Vilar dos Frades, Arcebispado de Braga, e estendeu-se depois a todas as Catedrais e Paróquias de Portugal.
Em Viseu é organizada pela Ordem Terceira de S. Francisco, proprietária da Igreja dos Terceiros, de onde sempre terá saído a Procissão. A viver a Semana Santa, a cidade acompanhou este ano a Procissão do Enterro do Senhor, nesta sexta-feira, 19 de abril, às 21h, a partir das Igreja dos Terceiros. “Um ato piedoso muito importante, porque a cidade em si, além de viver a Semana Santa intensamente, vive a Procissão que atrai milhares de pessoas à cidade não só da região, como muitos espanhóis que vêm de propósito para a ver”, avança o irmão Martins.
E o porquê deste interesse particular pela Semana Santa em Viseu. O Cónego António Jorge, mestre de cerimónias do Cabido da Sé, acredita que “há momentos da Liturgia que são fronteiras entre aqueles que praticam porque sabem que são momentos centrais como é a Eucaristia, o Tríduo Pascal, a celebração da Paixão do Senhor ou a Missa da Ceia, mas, depois, há celebrações que estão na ponte para a celebração popular, igualmente importantes e às quais as pessoas não se sentem obrigadas mas atraídas. Isto combina com aquilo que o Papa Francisco tem vindo a dizer, que é: a Igreja não pode fazer por manipulação, é por atração”, teoriza o responsável.
E a Procissão do Enterro do Senhor saiu, mais uma vez, às ruas de Viseu. Ao longo de uma conversa com o irmão Martins ficam-se a conhecer os preparativos para a cerimónia religiosa, desde a mobilização do conselho da Ordem, aos arranjos dos andores.
Os andores de Nossa Senhora, Santa Maria Madalena e São João Evangelista já estavam prontos na sacristia da Igreja, assim como todos os adornos que fazem parte da Procissão; faltava apenas o Esquife que transporta a imagem de Jesus. Ao longo de semanas é necessário convidar elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP), da Guarda Nacional Republicana (GNR) e dos Bombeiros para levarem os andores, convocar todas as Irmandades da cidade, escuteiros, a banda de música, e garantir que as entidades civis e “demais clero” estarão presentes para a “grande Procissão” presidida pelo Bispo da Diocese, este ano, pela primeira vez, D. António Luciano, explica o irmão Martins, acrescentando que a organização mobiliza mais de uma centena de pessoas: “É uma procissão muito trabalhosa. O trabalho de organização é muito significativo, envolvemos o conselho e os irmãos em reuniões periódicas, o que permite que tudo seja feito internamente”.
A recriação mais fiel
O principal símbolo da Procissão “é Cristo morto que simbolicamente é sepultado na Sé”, segue-se a imagem de Nossa Senhora “figura principal no acompanhamento”, atrás Santa Maria Madalena e São João Evangelista e depois o Pálio com o Bispo, a Cruz, restante clero, a banda de música, os escuteiros e os fiéis.
Sendo de todas a mais imponente, também em Viseu a Procissão do Enterro do Senhor é a mais solene e até comovente pela forma como é recriada. Leva pelas ruas da cidade o Esquife do Senhor morto e vê-se nas pessoas que vão acompanhar a expressão de fé, talvez porque a recriação traz também à memória o enterro de um ente querido.
O irmão Martins – com 30 anos de experiência na organização da Procissão e um investigador na área que passou para o seu livro editado em 2002 ‘Ordem Franciscana Secular de Viseu – Sua História na Realidade Franciscana’ – concorda que este momento da Semana Santa “transmite de facto a realidade do que foi a morte e o enterro de Cristo”, “em que podemos imaginar o momento de dor que foi para Maria” e “como esse momento do tempo e do espaço chegou até nós cristãos para que seja sentido e, depois, a alegria da ressurreição que é a Páscoa”. “Nós sabemos que vai haver alegria e Páscoa, mas naquele momento estamos a viver e a sentir o ato piedoso”, conclui o leigo religioso da Ordem Terceira Franciscana.
Alguns historiadores concordam que, 2019 anos depois, a Procissão do Enterro do Senhor é talvez a representação mais fiel. O irmão Martins aceita, confirmando que em Viseu “há essa preocupação de a fazer como há 30 anos”, embora reconheça que a evolução dos tempos obrigou, por exemplo, a encurtar trajetos e a retirar figuras importantes para a recriação por falta de assistentes. “Aqui (em Viseu) a Procissão era ainda mais representativa, porque temos objetos [guardados na Igreja dos Terceiros] como a Estampa de Verónica, um Santo Sudário e cabeças de “santos de roca” que participariam na procissão”, explica.
Itinerário
O trajeto da Procissão do Enterro do Senhor é hoje mais curto: “há 30 anos era uma procissão a perder de vista. Hoje o trajeto é mais curto, a Procissão sai dos Terceiros, Santa Cristina, rua Formosa, rua do ‘Comércio’ e Sé. Regressa pela rua Nunes de Carvalho, desce ao Rossio, vem para a Igreja dos Terceiros onde é dada a bênção aos fiéis. E termina”.
O irmão Martins considera ainda que na Catedral se vive um “forte momento” solene com o Sermão da Soledade pronunciado por um sacerdote indicado pelo Bispo: “No fim do sermão, a Procissão retorna para a Igreja, mas da Sé para cá a ordem dos andores é invertida, penso que tal como nos acontece [num funeral] no final já vem atrás Nossa Senhora atrás com alguém a confortá-la. O Bispo já não vem, São João Evangelista vem à frente e Santa Madalena próxima de Nossa Senhora”.
G.I./J.B.