Cristo permanece connosco no sinal da Sua Páscoa
1. Caríssimos cristãos, meus irmãos e minhas irmãs na fé, vós mais pequeninos e pequeninas, caros jovens, caro Cónego Matos; todos vós que, como eu, procurais fazer da Eucaristia o encontro com Jesus na mesa do banquete onde Ele se dá em alimento como Pão vivo descido dos céus, para o tornar presente no meio do mundo:
Se na memória da Eucaristia nós lembramos Jesus, as suas palavras e a sua presença no Santíssimo Sacramento, como gosta de dizer o povo, lembramos também todos aqueles que o Senhor confiou à nossa Igreja diocesana para serem ministros da Eucaristia, os que já partiram e aqueles que estão no meio de nós: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo, 6, 54 ).
Estamos ainda em fase de desconfinamento. Para nós que estivemos privados da celebração comunitária da Eucaristia tanto tempo, começar agora de novo a celebrar comunitariamente é motivo de alegria, de muita esperança, de festa. Por isso não deixarei de o sublinhar também hoje, solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos lembra o mistério de Quinta-Feira Santa e a presença real de Jesus para ser nosso alimento e nosso conforto.
Cristo permanece connosco no sinal da sua Páscoa. Celebramos o mistério da Eucaristia instituído por Jesus na última Ceia, em Quinta Feira Santa, como ouvíamos também na segunda leitura.
“O Senhor Jesus pegou no pão, deu-lhe a bênção e entregou-o aos seus discípulos, dizendo: ‘Tomai e comei: Isto é o meu Corpo entregue por vós’. De igual modo, tomou o cálice, deu graças e deu-o aos seus discípulos, dizendo: ‘Tomai e bebei: Este é o Cálice da Nova Aliança, que será entregue por vós e por todos. Fazei isto em memória de mim” (cf. Mt 26, 26-28). Estas palavras fazem-nos também a nós sermos comensais da última ceia. Não só os apóstolos sentados com o Senhor à mesa, mas também nós, sentados, em cada Eucaristia, à volta do altar, mesa que nos foi posta, banquete que nos convida para nos alimentarmos e termos a vida eterna.
Esse alimento foi o Verbo que encarnou no seio de Maria para nos salvar. Por isso na última ceia se fez pão para nos alimentar e se tornou vinho novo, sinal da vida nova que Ele nos queria oferecer.
No Evangelho Jesus dizia: “Eu sou o Pão Vivo descido do Céu, quem comer deste Pão viverá eternamente” (Jo 6, 41). E Ele desceu, como desceu ao seio de Maria para dar a vida a cada um de nós e nos dar a vida em abundância.
A festa de hoje é para nos lembrar e tornar presente todos os caminhos de fé da Igreja. É a festa da partilha do pão e do vinho em todas as dimensões; o mesmo significa dizer, de toda a nossa vida.
Uma vida sem partilha é muito pobre. É por isso que nós sentimos também no coração a perda e a dor de familiares e amigos que partiram, e cujas vidas foi um doar-se e partilhar.
Então, é nesta dimensão da liturgia como serviço de caridade que nós encontramos Jesus, o Pão vivo descido do Céu. Sem este alimento que é Jesus, deixamos de ser sinal da Eucaristia.
Na celebração que estamos a viver, vamos comungar Jesus Eucaristia, dando-lhe graças e adorando-o no Sacramento do amor e da comunhão, e levando-o connosco no nosso coração para que a nossa vida também seja sinal de Eucaristia.
É este Jesus que queremos ter connosco e com Ele partilhar a nossa vida na vivência do grande mandamento novo do amor.
2. “Eu sou o Pão vivo descido do céu, quem comer deste Pão viverá eternamente… Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue têm a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia” (cf. Jo 6, 41; 54). Esta celebração é para nós uma prova da fé, um professar a fé nestas palavras de Jesus.
A vida nova em Cristo, que todos os batizados desejamos, é obra do Espírito Santo. Por isso Jesus dizia: “O meu alimento é fazer a vontade de meu Pai”.
A Eucaristia é a Ceia Pascal preparada para todos nós. Se o Senhor deu o mandato aos discípulos para prepararem a última ceia, hoje confia este mandato à Igreja, a todos os batizados. Por isso a Eucaristia faz a Igreja, mas também a Igreja, isto é, todo o Corpo do Senhor, faz a Eucaristia.
É esta a novidade pascal cujo fruto brotou do sofrimento e da morte de Cristo e da sua ressurreição. Fruto novo que nos foi dado ao terceiro dia.
Por isso a primeira leitura, recordando a história do Povo de Israel e a travessia no deserto, a determinado momento lembrava: “Recorda-te de todo o caminho que o Senhor te fez percorrer…” (Dt 8,2). Não foi fácil: faltou-lhes o alimento, e Ele ofereceu-lhes o maná; tinham sede, e fez brotar a água da vida.
Caríssimos irmãos e irmãs, também nós estamos na travessia do deserto, neste tempo de pandemia. Como ainda hoje ouvimos, o usar a máscara é muito importante e pode evitar mais contaminações; mas também o distanciamento e tudo aquilo que no coração com certeza nos interroga e nos traz perturbações. Mas serão orientações importantes para uma saúde maior e o bem comum de toda a humanidade.
Por isso, a primeira leitura deve ser também para nós motivo de alegria e esperança. O Senhor nunca abandona o seu povo, nem nesta terrível pandemia que deixa consequências tão nefastas na vida de tantas pessoas. Ele é o mesmo Senhor que nos acompanha no Santíssimo Sacramento do altar, que se faz vida, alimento e é companheiro de viagem.
A Eucaristia é então o Sacramento do encontro onde encontramos força para sermos verdadeiramente cristãos. Como batizados, somos chamados a viver esta vocação centrada na celebração da Eucaristia, sacramento da comunhão e da unidade.
Não há verdadeira Igreja sem o povo reunido a celebrar a Eucaristia, para depois ser enviado. Por isso lembra o Concílio Vaticano II na Lumen Gentium nº 3: A “Eucaristia é o sacramento da unidade”. Todos nós somos imprescindíveis para que a Eucaristia seja celebrada. E nós queremos celebrar com Cristo, Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo, o sacramento do pão vivo.
Estamos a viver um ano pastoral dedicado ao Sacramento do Batismo, caminho de santidade, convidando os fiéis a celebrar a vida nova com Cristo, Cabeça do seu Corpo que é a Igreja.
O próximo ano pastoral será centrado na Eucaristia. Muito temos que viver, aprender e testemunhar. Por isso dizia o primeiro documento do concílio: a Eucaristia é o “cume e fonte de toda a espiritualidade na Igreja” (cf SC 10).
O povo cristão, numa das suas antífonas, não cessa de repetir: “Ó sagrado Banquete em que se recebe Cristo e se comemora a Sua Paixão; em que a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da futura glória”. Este banquete está preparado para nós: É a Eucaristia.
3. Olhando para o nosso mundo e para a nossa sociedade, para a nossa pátria, para cada um de nós e para as nossas famílias, podemos repetir: Uma sociedade sem pão é uma sociedade pobre, sem o essencial para viver e para a estabilidade de um desenvolvimento equilibrado e integrado. No pão estão simbolizados todos os bens que Deus nos quer dar.
Em tempo de desconfinamento da pandemia, a partilha do pão e a distribuição de bens necessários aos pobres para viverem com mais dignidade é o primeiro e o maior testemunho de quem celebra a Eucaristia e comunga Jesus.
Não podemos ignorar a realidade deste mundo atual e as situações alarmantes de pobreza. Crentes e não crentes falam-nos de muita pobreza, consequência negativa dos efeitos laterais e colaterais da pandemia Covid-19.
A perda de trabalho e de meios económicos faz empobrecer as famílias e os próprios cristãos. O desemprego, a perda de rendimentos, os salários em atraso e a realidade da falta de pão e de bens essenciais põem a vida das famílias em dificuldade.
Por isso o despertar de instituições da Igreja, como a Cáritas, as Instituições Particulares de Solidariedade Social, as Misericórdias, o Banco Alimentar, os movimentos espontâneos de solidariedade, o grito das Nações Unidas ou de outras organizações, associações ou também da nossa paróquia de Santa Maria da Sé, que hoje também recolhe géneros para ajudar os seus irmãos mais pobres, são gestos de acarinhar e dizer que são, na verdade, a continuidade da Eucaristia.
O Papa Francisco alerta-nos permanentemente para o aumento de pobreza e de falta de condições dignas para viver neste mundo e também para a pessoa humana viver com dignidade e valor próprio. É preciso cuidar dos pobres, dos vulneráveis e dos frágeis da nossa sociedade. Importa ouvir o Papa que nos pede para que ninguém fique de fora, que ninguém seja marginalizado, excluído ou deixado à margem ou fique para trás.
É preciso olhar a pessoa humana com fé, esperança e confiança, indo às novas periferias existenciais da pobreza e da exclusão social.
Os meus parabéns à nossa paróquia e também aos nossos escuteiros e outros interlocutores por receberem este pão partilhado, que há de chegar à mesa de muitos irmãos. Isto é celebrar e viver também a Eucaristia.
Celebrar a Eucaristia neste dia solene do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo há de ser para nós um compromisso e um apelo a lutar contra a pobreza, a matar a fome aos famintos e a ter gestos de partilha e de solidariedade. Não somos nós membros de uma aldeia global?
Dizia Santo Agostinho: Cada comunidade cuide dos seus pobres e promova entre eles o maior bem, a comunhão e a unidade.
Se a pobreza é uma consequência desta pandemia, e por isso gera fome, outras consequências teremos também às quais dar uma resposta. Nós cristãos, celebrando a Eucaristia, adorando o Senhor, comungando e testemunhando a nossa vida, seremos interlocutores do partilhar o pão para erradicar a pobreza da realidade em que vivemos.
Este também é um compromisso da Igreja e da nossa sociedade. Neste enquadramento, de novo apelo a todos a seguirmos o exemplo que a paróquia de Santa Maria de Viseu nós está a dar com a recolha de bens alimentares, sinal de partilha do nosso pão. Pode ser pouco, mas quando está inteiro pode ser dividido em muitas fatias. E, se todos comermos desse pão, todos ficaremos saciados.
4. A abertura a uma sociedade mais fraterna e solidária, com gestos significativos de partilha e com uma dimensão evangélica, leva-nos não só a lavar os pés aos nossos irmãos, mas a servi-los também, dando atenção àquelas palavras de Jesus no contexto do Evangelho, que lembrava a multiplicação dos pães e dos peixes. Quando vieram dizer a Jesus que era uma multidão enorme e que não havia pão para lhes matar a fome, Jesus disse-lhes “Mandai-os sentar e dai-lhes vós de comer”. É isto que é confiado à Igreja quando celebra a Eucaristia.
Peçamos a Nossa Senhora, a São Teotónio e à Beata Rita Amada de Jesus uma grande devoção ao Santíssimo Sacramento, lembrando todos aqueles que sofreram e sofrem por esta pandemia, e aqueles que já partiram. Louvemos o Senhor por todos aqueles que, de um modo diferente, celebramos hoje esta festa do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso senhor Jesus Cristo.
No final da Eucaristia receberemos a bênção do Santíssimo Sacramento. Eu próprio irei à porta principal da nossa Sé-Catedral para abençoar a nossa cidade e a nossa diocese.
Ó Jesus, eu vos louvo e vos amo no Santíssimo Sacramento da Eucaristia, juntamente com este povo que celebra o sacramento do amor e da comunhão.
Parabéns! Muito obrigado por terdes vindo e não terdes medo. Ámen.
+ António Luciano, Bispo de Viseu