O júbilo desta Solenidade e o testemunho firme da fé no martírio dos Apóstolos São Pedro e São Paulo são a esperança do fermento novo na comunidade primitiva da Igreja. Duas testemunhas da fé convicta, duas colunas inseparáveis na construção da comunhão, na caridade e na unidade da Igreja. Dois exemplos assentes em Cristo, pedra angular, pela graça do batismo enraizados na vida nova, fundamento do alicerce da vida cristã, dois modelos de verdadeiros agentes de pastoral, que todos desejamos ser. Um exemplo do caminho da Igreja orante que anuncia a Palavra de Deus no meio da tempestade sem nunca sair da barca da Igreja que nos leva a navegar quando os desafios do novo mundo, envolvido solidariamente na luta contra as consequências do Covid-19. Todos esperamos um tempo de bonança e de regresso à nova normalidade, onde a Igreja é chamada na esperança a anunciar a “Alegria do Evangelho”.
Pedro foi chamado pelo mestre junto do Lago de Tiberíades, onde consertava as redes. Responde com alegria e prontidão às palavras de Jesus, deixa tudo para trás, desprende-se dos bens materiais, “deixa as redes na praia” e segue o Salvador do mundo.
O chamamento do mestre e o diálogo sobre a vocação, fizeram de Pedro um homem novo e liberto de todos os temores. Jesus convida-o a segui-Lo e com a graça sobrenatural concede-lhe o dom da vocação. O sim de Pedro mudou por completo a sua vida na radicalidade do seguimento e do testemunho. “Tu, deixa as redes e segue-Me, eu farei de ti pescador de homens”. “Tu, segue-me”.
É este desprendimento de Pedro e o seguimento do Mestre que faz de Pedro o homem novo, aquele que sente a coragem de se “fazer ao largo”.
Pedro deixou tudo e seguiu o mestre, por isso escutou as suas palavras: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.
Pedro passou no exame da conversão para a comunhão no amor e viveu a sua vida com o testemunho de radicalidade, de seriedade, de verdade e de fidelidade à vocação.
Tornou-se protagonista do verdadeiro amigo do Mestre e fez do chamamento uma dinâmica com uma relação dialógica. O chamado reconhece o dom de Deus, não hesita, contempla aquele que o chama e não olha para trás: “Quem deita a mão ao arado e olha para trás não é digno de mim”. Ao olhar para o nosso mundo confinado no isolamento da indiferença, da descristianização, cheio de medo e inseguro, violento e intolerante, com falta de fé e de desejo de acreditar, no meio das mais estranhas perplexidades, eu pergunto-me onde tem lugar o dom da vocação? Como é possível ajudar os jovens a fazer o discernimento vocacional? De onde brota a graça de uma vocação? Como fazer a experiência de escuta e de intimidade com a Palavra de Deus, partindo da oração e do testemunho de vida cristã.
Como ao pequeno Samuel, Deus continua a chamar, por isso devemos promover as vocações de consagração na Igreja, catequizar, ensinar as verdades da fé, ajudar na orientação para o projeto de vida os adolescentes, os jovens e os adultos. Como proporcionar uma verdadeira cultura vocacional na Igreja a partir de perguntas e do testemunho: “Senhor que queres de mim”? “Senhor que queres que eu faça”? Como posso hoje ajudar a servir a Igreja? “Senhor: Eis-me aqui, podeis enviar-me”. Como Maria dizer: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua Palavra”. Como Jesus testemunhar: “Eu venho Senhor para fazer a vossa vontade”.
A dinâmica do chamamento e o projeto de uma pastoral vocacional hoje é sempre algo de atual. Os verbos a utilizar são os mesmos: chamar, propor, apontar um ideal de vida, um projeto de realização pessoal. Este é o objetivo de toda a pastoral vocacional e eclesial. Deus chama o homem responde. O tempo em que vivemos e mesmo dentro da própria Igreja é um período de muitos ruídos, precisamos de cultivar uma pastoral de escuta, de disponibilidade, de resposta generosa, de compromisso assumido e de fidelidade provada.
Parece que nem a epidemia nos está a acordar da letargia do sono que nos envolve, privando-nos da verdadeira dignidade da vida humana e do respeito que devemos ter para com Deus, para com os outros e para com a natureza.
O problema da ecologia global do nosso planeta e de uma economia que não mate, segundo expressões do Papa Francisco são hoje discutidas por todos, mas não assumidas numa vida de entrega e de viragem da página da história e da própria Igreja.
Exemplos de que não sabemos usar a liberdade perante o maior bem que é a vida do outro e a sua própria saúde, levam-nos a pôr em causa uma dinâmica vocacional que ao contrário de um sim generoso, leva ao descarte da vida, à negação de regras, de princípios e orientações importantes para a nossa própria realização pessoal. Daí a pergunta de Pedro: “A quem iremos Senhor, só tu tens Palavras de Vida Eterna”.
A crise vocacional da Igreja tantas vezes apontada pela diminuição da natalidade, no meu modo de reflexão ela assenta numa sociedade consumista, hedonista, ateia, descartável, pragmática, sem valores e princípios orientadores, sem lideres na família, na escola, na Igreja, na sociedade que sejam credíveis e testemunhas. Daí resulta a busca do imediato, do que traz resultados fáceis e dá satisfação dos apetites do mundo moderno.
Um mundo assim tem dificuldade de compromisso e as vocações são escassas e as que surgem precisam de ser bem acompanhadas, bem formadas e bem estruturadas, trabalhadas nos pilares que constroem uma personalidade sadia e uma vida cristã que provoque um autêntico encontro pascal com Jesus Cristo.
É isto que nos toca no encontro pessoal com Cristo ressuscitado. São Paulo a caminho de Damasco, perseguindo os cristãos, cai do cavalo abaixo, perde a visão e encontra o tesouro e a luz da sua vida, Jesus Cristo, que lhe diz: ”Saulo, Saulo porque me persegues. Quem és tu Senhor? Eu sou Jesus de Nazaré. Chamei-te para fazer de ti um vaso de eleição e ires anunciar o Evangelho aos gentios”.
Aqui começa a aventura e a linda história vocacional de Paulo. Também como os discípulos de Emaús escuta com atenção as palavras do Mestre, deixa-se iluminar por elas, reconhece Jesus “ao partir do pão e nas Escrituras”, deixa a sua vida de perseguidor dos cristãos e assume a sua vocação de apóstolo e seguidor de Cristo.
As suas palavras: “Ai de mim se não anunciar o Evangelho” tornam-se o leitmotiv de toda a sua vocação de apóstolo dos gentios. Tinha a garantia das palavras do Mestre: “Eu chamei-te, porque tu és para mim um vaso de eleição”.
Grande exemplo para nós hoje a Igreja a sair das catacumbas por causa da epidemia. As palavras de Jesus continuam atuais e libertam-nos de todos os medos e temores. Paulo descobriu os ingredientes da “Nova Evangelização” (São João Paulo II) e iniciou a sua própria peregrinação missionária.
A Igreja hoje ou tem um rosto missionários junto de todos, particularmente junto dos pobres, ou então não será nada, nem terá comparação com a melhor ONG dos nossos dias. Em tempo de pandemia toda a pastoral da Igreja, porque deve ser vocacional há de continuar a propor aos jovens a radicalidade da vocação: “A messe é grande mas os trabalhadores são poucos, pedi ao Senhor da messe que mande trabalhadores para a sua messe”.
A Missão da Família mãe, mestra e educadora.
Pais ensinai os vossos filhos a serem bons e transmiti-lhe na escola do lar os verdadeiros valores humanos, morais e cristãos.
Neste tempo de pandemia é preciso olhar o futuro com otimismo e esperança.
Faço vos dois apelos que são uma preocupação do meu coração de Bispo e de Pastor:
– Inscrevei os vossos filhos na catequese paroquial sem deixardes de ser os primeiros catequistas.
– Nestes dias de matrícula dos vossos filhos na Escola não deixeis de os inscrever nas Aulas de Religião e Moral Católica, pois elas são importantes e estruturantes para a formação integral dos vossos filhos. Cuidai deles no presente para os preparardes bem e com qualidade humana ética, cívica e espiritual para o futuro, que será a pertença a um mundo renovado.
† António Luciano, Bispo de Viseu