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Reflexão sobre o Dia Mundial da Saúde Mental

 

Que bom haver um dia de “fraternidade” para assinalar a Saúde Mental, porque se não houver saúde, estamos todos doentes e teremos dificuldade em construir um mundo sadio assente na “amizade social”. Também faltam cuidadores na Saúde Mental. Estamos envolvidos num mundo assolado por tão grave pandemia, que nos pede sacrifícios para continuamos a ser pessoas com dignidade própria, com direitos e deveres.

Ainda bem, que há um Dia Mundial da Saúde Mental, para nos fazer refletir sobre o lugar do doente mental na sociedade atual. Estou muito grato por celebrarmos o Dia Mundial da Saúde Mental, para olhar para o doente mental como um todo, embora como muitos referem este é o “parente pobre da saúde”.

Num país livre e democrático, pobre, porque nos pode afetar a todos, pois ninguém está de fora, como aconteceu com esta pandemia, “todos estamos no mesmo barco”. A fragilidade afeta a todos  e traz-nos medo, insegurança, desânimo, sentimentos de revolta, que podem levar à bipolaridade, à esquizofrenia insustentável, à psicose persistente,  ao desejo permanente de morrer, à ausência de alegria, à nostalgia do irreal, à tristeza do ser, à frustração do não alcançado, ao desejo de fuga, à insatisfação num projeto, ao desistir de um sonho pondo em risco a própria vida. Que mais nos poderá acontecer? Persistência do aumento de números de casos de infetados pela pandemia em Portugal? O susto de viver o futuro, porque continua a manifestar-se num número considerável de mortos? Os internamentos hospitalares a serem muito significativos? Dizem-nos que tudo está bem, embora vivamos tempos diferentes e difíceis. O Serviço Nacional de Saúde tem capacidade para responder ao aumento de contágios? Muitos já não acreditam e o pior que pode acontecer é o cansaço para caminhar juntos.

E o aumento dos doentes mentais continua a ser também a nossa preocupação na atualidade?

Recordo todos os doentes internados, os que vivem em casa com a família, os que estão nos cuidados intensivos ou nos cuidados paliativos, que hoje também celebramos.

Lembro todos os doentes mentais, os que estão internados nos mais diversos serviços de Psiquiatria no Serviço Nacional de Saúde, os internados nos serviços da Ordem Hospitaleira de São João de Deus, ou nas Casas de Saúde orientadas pelas Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, ou outras instituições que no nosso país prestam um serviço de cuidados em qualidade aos doentes mentais quer internados, quer em ambulatório.

Neste dia pensemos nos pobres que esta pandemia desnudou na sua fragilidade na família, nos lares, nos sem abrigo, no mundo da juventude, na escola, no trabalho, ou em qualquer outro lugar de abandono ou solidão. Não façamos deles “os descartáveis” de uma sociedade sem amor e com deficit de solidariedade.

Nós, que todos os dias temos a graça de escutar muitas pessoas, damo-nos conta de que muitos se não forem ajudados pela família, por instâncias governamentais ou pelas instituições de solidariedade social, muito depressa irão aumentar o número de doentes mentais, pois há muitas  pessoas em dificuldade, desiludidas da vida, desintegradas e desenraizadas da nossa sociedade, que esperam uma palavra amiga, um gesto, um incentivo e uma motivação.

O estigma da pandemia não nos pode levar a esta desgraça, cuidemos uns dos outros com proximidade e resiliência, com compaixão e compreensão, não queiramos fechar os olhos ao gigante que nos amedronta dia e noite de modo exponencial, tal como o dragão do apocalipse ferindo a pessoa humana vulnerável e frágil. Força para todos os doentes, principalmente hoje, para os doentes mentais e para os seus cuidadores. Queremos despertar na sociedade uma onda de solidariedade e de gratidão, em reconhecimento aos cuidadores abnegados entregues à causa da saúde mental em Portugal.

Não há saúde mental possível, sem saúde integral, sem harmonia equilibrada em tudo aquilo que a pessoa humana deseja, procura e precisa para ser feliz.

O mundo da saúde mental e a vivência dos seus protagonistas continua a ser de uma complexidade tamanha, que a prestação dos cuidados de saúde necessita da evidência da ciência, do humanismo, do saber, da metodologia, do carinho, da compaixão, da paciência e da ética de todos os profissionais que cuidam destes doentes. Cuidemos da criação, cuidemos da economia, cuidemos da fraternidade, cuidemos do aparecimento rápido de uma vacina para todos contra o Covid-19, mas não esqueçamos por favor os doentes mentais, eles são também os mais vulneráveis e os mais frágeis de uma sociedade.

Que as palavras do Papa Francisco nos estimulem a programar um mundo sadio, um estilo novo de vida para termos a coragem de construir “a fraternidade e a amizade social” para todos.

A doença mental ainda continua a ser vista por muita gente com descriminação e até desprezo, tentando por vezes ocultar a realidade nua e crua desta enfermidade. Cuidemos de todos, mas tenhamos compaixão destes doentes e olhemos para eles com otimismo, realismo, confiança na esperança de um futuro melhor.

Ao celebrarmos o Dia Mundial da Saúde Mental, quero dizer aos doentes, aos seus familiares e aos seus cuidadores que os estimo muito e rezo por vós. Peço compreensão e coragem aos cuidadores, às suas famílias, esperando que os governantes e a sociedade olhem para estes doentes com empatia, não esquecendo os seus problemas somáticos, psíquicos, espirituais e sociais.

Com a pandemia do Covid-19 e o impacto que teve no nosso mundo através das suas consequências múltiplas, receio que não estejamos a dar a devida atenção a tantos problemas que fazem cair as pessoas nesta doença que teima em aumentar neste século XXI. Sejamos todos solidários por esta causa, médicos, enfermeiros, psicólogos, capelães, assistentes espirituais, terapeutas ocupacionais, famílias, voluntários e governantes.

Parabéns e obrigado à Casa de Saúde do Telhal, aos seus responsáveis, Irmãos de São João de Deus, Diretor, utentes, médicos, enfermeiros, funcionários, famílias e voluntários pelo modo como há um ano, me acolheram nessa Instituição, para celebrar convosco o Dia Mundial da Saúde Mental. Continuai a fazer o bem irmãos, cuidai com carinho de todos os doentes mentais.

 

Viseu, 10 de outubro de 2020

† António Luciano dos Santos Costa, Bispo de Viseu

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