Observatório Pastoral
Há algum tempo li um livro que continha uma frase inquietante: «A caridade é autointeresse disfarçado de altruísmo.» (A. Mello, Awareness). Levou a uma reflexão sobre um tema tão prático na vida diária, quer do cristão, quer do ser humano, em geral.
Comecemos por perceber que existem dois tipos de egoísmo: o primeiro, é aquele a que me dou o prazer de me agradar a mim mesmo; o segundo, é quando me dou a mim mesmo o prazer de agradar aos outros. Mais refinado! Enquanto que o primeiro é evidente e explícito, o segundo é latente e oculto. Mais perigoso!
Vejamos uma aplicação prática: alguém que vive só e dedica umas horas a um serviço comunitário. Trata-se de um bom e útil sentimento, mas pode ser a expressão de uma razão egoísta: necessidade de ser necessitado! Uma necessidade pessoal ao encontro de uma necessidade do outro – dou algo e obtenho algo. Visto deste ponto, está certo e trata-se de um ‘nobre’ sentimento. Mas, no fundo, não é caridade, mas um autointeresse iluminado.
Não estará esta visão em colisão com o Evangelho, em concreto na parábola do rei e do banquete (cf. Mt 25, 31-46)? O Rei elogia os atos de caridade aos necessitados, como tendo sido feitos a Ele próprio: «Vinde, benditos de meu Pai!» O curioso da parábola é que a resposta dos que praticaram esses atos de bondade perguntaram: «Quando é que Te fizemos isso? Não demos conta de nada.» O oposto, seria os eleitos responderem: «Sim, nós sabíamos!» Ao que o Rei contestaria: «Não o devíeis saber!» A verdadeira caridade não tem uma pré-consciência de que vai exercida. A caridade superior é quando é feita sem saber que está a ser feita, no sentido de obtermos algo através dela. A caridade autêntica é desinteressada, feita no anonimato e no escondimento, até dos próprios sentimentos, egoístas, ocultos.
Até se poderia falar de um terceiro tipo de egoísmo: fazer o bem, não porque deva ser feito, mas para evitar sentir-se mal. É procurar fazer algo de bem, para não ter uma sensação má. No fundo, não se quer fazer o bem, mas é preferível fazê-lo que tolerar o sentimento negativo do remorso. Assim, todos vão pensar que somos ótimas pessoas, mas sabemos que isso não coincide com a nossa interioridade. Uma duplicidade! Isto também não é caridade!
Isto pode inquietar-nos, mas possibilita um melhor conhecimento de si mesmo e uma autoconsciência mais atenta e perspicaz, na hora da ação.