Observatório Pastoral
Como programa para este início de ano 2022, podemos começar por colocar a pergunta que se impõe: Que tipo de cristianismo queremos para a Igreja de hoje?
Atualmente a Igreja vive um sério dilema no seu agir e identidade. Uma forma do Cristianismo, da Igreja, da fé e da teologia, à qual nos acostumámos, está a cair inevitavelmente no passado.
O pontificado do Papa Francisco reabriu a questão do futuro da Igreja sob diversos pontos de vista, colocando acento na ideia de que a Igreja deve estar em “saída” dos paradigmas histórico-culturais que eram assumidos como definitivos. A verdade é que nos movimentamos numa sociedade plural e secularizada que pôs fim à sua forma sociológica de inculturação da fé e, portanto, já não transmite a fé no interior das famílias nem das estruturas sociais e educativas.
Na mudança de época que estamos a viver exige-se uma mudança de paradigma pastoral. Esta mudança poderá ser alcançada se assumirmos “todos juntos” a caminhada sinodal como o estilo de ser Igreja rumo a um novo tipo de cristianismo.
A cada tempo tem correspondido uma tipologia de cristianismo e uma determinada figura de fé. Assim, até ao Concílio Vaticano II (Cristianismo pré-conciliar) prevaleceu um tipo de cristianismo sociológico, num tempo de cristandade, vivido por tradição dentro de uma paróquia com um estilo pastoral de conservação assente na doutrina e tipicamente clericalista. É designado um tipo de “Cristianismo do Dever” ou “da lei”.
Atualmente, vivemos os vestígios de um tipo de “Cristianismo do Empenho” ou “da Promessa”, herdado do Vaticano II e construído em torno de uma Igreja voluntariosa, dedicada e entusiasmada sobretudo pelas causas sociais, que se esgotaram num certo desencanto e desgaste. O Cristianismo atual é habitado por dois grupos: uma maioria dita cristã (crença) e uma minoria praticante (pertença); e é caraterizado por uma continuação parcial dos hábitos e gestos religiosos dentro de uma mentalidade secularizada onde escasseia a correspondência entre a fé professada e a fé vivida.
Portanto, situamo-nos num período de transição cujo o empenho aplicado nas propostas pastorais tem o propósito de acompanhar as pessoas com raízes do “Cristianismo do Dever” (pessoas já cristãs) para o tipo de Cristianismo que se apresenta como o desejável para o atual contexto, ou seja, o “Cristianismo da Graça”. Esta tipologia de cristianismo, é inspirada no modelo da Trindade, centra-se no “coração que vê… e atua em consequência” (Deus Caritas Est 31), e pressupõe que os seus membros serão mais conscientes e pertencerão à comunidade cristã através da conversão e escolha pessoal, e não por mera tradição. É baseado não na obrigação (Dever) nem no mérito (Empenho), mas no reconhecimento de que tudo, a começar pela própria vida, nos é dado gratuitamente por Deus.
Esta parece-me ser a tipologia de vivência cristã mais adequada para uma Igreja que se quer missionária e renovada. Se a leitura da vida e da relação com Deus for feita nesta perspetiva de Graça Divina, a mesma, favorecerá a experiência da gratidão e da partilha, a consciência de se ser amado e salvo, e a certeza de que cada ser humano é “uma missão nesta Terra” (Evangelii Gaudium 273). Voltaremos a este tema.