Open/Close Menu A Diocese de Viseu é uma circunscrição eclesiástica da Igreja Católica em Portugal

Observatório Pastoral

 

Diz a “regra de ouro”, recordada no Antigo Testamento (cf. Lev 19, 18) e aperfeiçoada no Novo (cf. Mt 7, 12): “Não faças ao outro o que não queres que te façam a ti!” Embora muito presente na Bíblia, este é um dos princípios basilares das grandes religiões da humanidade: no Confucionismo: “Não faça aos outros o que você não quer que façam a você” (cf. Analectos, 15:23); no Hinduísmo: “Este é o supremo dever: não faças aos outros o que poderia causar dor se te fosse feito a ti” (cf. Mahabharata, 5:1517); no Budismo: “Não trates os outros de maneira que tu próprio achas que te feriria” (cf. Udana-Varga, 5:18).

Como princípio basilar e transversal às religiões e às sociedades, convém retê-lo como norteador de uma espiritualidade fundamental, estruturante, para qualquer espiritualidade mais confessional. Sem estes fundamentos humanos não se torna fácil uma abertura à revelação divina. Talvez, até se pode afirmar que a ausência destes núcleos fundantes é o maior obstáculo para qualquer revelação divina. Isto pode experimentar-se nos afazeres diários e nas relações interpessoais: como se pode falar de Deus se não se conhece o ser humano? Como se podem apontar os caminhos de Deus, sem se conhecerem, profundamente, os caminhos da humanidade?

Se é verdade que qualquer espiritualidade é uma experiência sempre individual, esta não se pode desenvolver sem referências a uma comunidade. Se a espiritualidade é uma relação com o Mistério, este conduz, necessariamente, a uma relação com os outros. (…) A este propósito, Jesus afirmava: «As raposas têm as suas tocas e as aves do céu têm os seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.» (Mt 8, 20). (…)

Uma nota a considerar nesta ‘espiritualidade de transição’, é que olhamos os outros como preenchimento dos nossos vazios, vendo-os, ainda que de forma inconsciente, como instrumentos ao serviço dos nossos ideais e objetivos, mesmo que seja a felicidade ilusória.

A experiência espiritual de comunhão é como escutar uma sinfonia: se um dos instrumentos toca demasiado alto acaba por ferir a audião e perturbar a escuta dos outros instrumentos. Ou então, se nos fixamos apenas num instrumento, porque o privilegiamos, todo o nosso ouvido escutará apenas esse instrumento e os outros são vistos como obstáculo para escutar esse instrumento preferido. Para a sua fruição devemos estar sensíveis ao conjunto da orquestra e à singularidade e beleza de cada instrumento, de cada pessoa. Quando os ouvidos estiverem desimpedidos começamos a interagir com a realidade e a perceber como as coisas são em si mesmas, poderemos, assim, entender o que é Deus, porque, finalmente, saberemos o que é o amor…

Outra nota a ter presente, é conviver com o outro quando existe uma relação viciada, nefasta e desagradável. Ainda que nos pareça estranho, essa pessoa revela-nos o ser da nossa própria pessoa. Quando nos deixamos condicionar por essa adversidade, perdemos o nosso controlo e é a situação que nos controla. Na verdade, não é esse relacionamento adverso que nos prejudica e controla, mas uma espécie de ‘programa’, embutido pela sociedade. Se somos conscientes disso, a adversidade vai perdendo força e seremos nós a controlar a situação. Uma frase do Evangelho ajuda a traduzir esta experiência: «Então, o dono da casa, irritado, disse ao servo: “Sai, imediatamente, às praças da cidade e traz para aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos.» (Lc 14, 21). As pessoas que maquinam o mal, estão fragilizadas, consideram que o mal é a solução dos seus próprios males. Estão ‘aleijados, cegos e coxos’, precisam de ser resgatados e salvos. As suas fragilidades já não nos controlam, porque os convidámos para a nossa ‘casa’, revelando-nos o seu e o nosso ser.

 

Pe. Virgílio
CategoryDiocese, Pastoral

© 2016 Diocese de Viseu. Todos os direitos reservados.
Desenvolvimento: scpdpi.com

Siga-nos: