Observatório Pastoral
Por incrível que pareça, Judas Iscariotes assume um papel central na Vida, Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Mais incrível será a afirmação de que aquele discípulo tem um papel maior do que qualquer outro, inclusive Simão Pedro ou João, o discípulo amado. Basta reler as palavras do Evangelho de João na introdução à Última Ceia para presenciarmos a centralidade de Judas: «Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao à consumação. Durante a ceia, quando o Diabo já tinha lançado no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, a decisão de o entrega…» (Jo 13, 1-2).
Judas Iscariotes foi, é e será das figuras mais odiadas e odiosas da história da humanidade, assumindo a culpa de todos os “males” ocorridos na vida de Jesus, acusado de ser o grande culpado da prisão de Jesus, de tal forma que o abandono perpetrado por Pedro e os outros discípulos passa quase despercebido e esquecido, desconsiderado como fator importante.
Na verdade, poderíamos considerar as motivações pessoais ou simplesmente políticas que teriam levado Judas a tomar a decisão de “vender” o seu Mestre e Amigo, mas isso não nos conduziria àquele que é o ponto mais belo de todo o relato da Paixão de Cristo. Porque o verdadeiro centro não é a traição de Judas ou o abandono e fuga de Pedro e dos outros discípulos ou o julgamento infame de que é alvo Cristo, mas a Sua entrega livre e amorosa, que o leva a abraçar a Cruz com ternura. Jesus tem noção plena do que se realiza à sua volta, de todas as maquinações que estão a ser organizadas através do conluio de Judas com as autoridades judaicas. Contudo, esta noção e compreensão abre ao plano mais belo do mistério do homem redimido.
Cristo expia os pecados da humanidade, inclusive os pecados de Judas Iscariotes, a sua traição através do gesto ternurento de um beijo e outras quedas existentes. Contudo, poderia surgir a pergunta: o que é que isso traz de especial à vida do cristão? Traz muita coisa, porque Cristo ama a Judas Iscariotes como ama a Pedro ou outro discípulo ou outro ser humano em qualquer momento histórico e tudo é um mistério de amor que deve ser acolhido e valorizado. Por tudo isto, afirma o Catecismo da Igreja Católica no art. 605: «Este amor é sem exclusão. […] Esta última expressão não é restritiva: simplesmente contrapõe o conjunto da humanidade à pessoa única do redentor, que Se entrega para a salvar. No seguimento dos Apóstolos, a Igreja ensina que Cristo morreu por todos os homens, sem exceção: ‘Não há, não houve, nem haverá nenhum homem pelo qual Cristo não tenha sofrido’.»
Conclui-se que Cristo morreu por Judas e amando o seu discípulo e amigo, porque não pensa e não age como o comum dos mortais. Tal como morreu por tantos cristãos que hoje se esquecem Dele e o atraiçoam com outros beijos “ternurentos”. Esta fé salvífica abre o cristão à beleza da Páscoa, isto é, à beleza de uma oportunidade de perdão oferecido sem limites. O caminho a realizar baseia-se na certeza pascal de que, se Cristo amou a Judas Iscariotes, que O entregou, também me ama.