Open/Close Menu A Diocese de Viseu é uma circunscrição eclesiástica da Igreja Católica em Portugal

Observatório Pastoral 

A terra do nunca entrou no imaginário de um conjunto considerável de gerações. No entanto, temo que dessa terra sonhada, possamos caminhar para que, no caso concreto daqueles que se entregam ao ministério presbiteral, para a dilatação de um outro território: a terra de ninguém, de que muitos clérigos se assumem habitantes, e a cujas paisagens se sentem entregues sem passaporte de volta. Explico-me!

Creio que não é ocasional o sucesso no meio eclesial do livro Senhor Bispo, o Pároco Fugiu ou a redescoberta do clássico Diário de um padre de aldeia, do escritor francês George Bernanos, pois aquele cenário inicial, inóspito e desabitado, é, não raras vezes, o lugar onde os ministros ordenados reveem as suas vidas. “A minha paróquia é uma paróquia como qualquer outra.” “O tédio consome-as [as paróquias] a olhos vistos, e nós sem nada podermos fazer”, confessa a voz diarística logo a abrir.

No entanto, ao sentimento de impotência e de esvaziamento galopante, de que os padres são as primeiras testemunhas, tem vindo a ser cada vez mais premente uma leitura quase punitiva do ministério ordenado: os padres colonizam a pastoral, são abusadores e pervertidos, são detratores do próprio Cristo. Fechados, complicados, impacientes e inacessíveis. Tem sido muitas vezes o tom da adjetivação recente que cai sobre o clero e que, sem medição de dados, acompanha a formação dos novos presbíteros (…). Ao padre é exigido, por um lado, não seguir um sem par de modelos, e, por outro, ser cada vez mais e melhor. Mas entre esses dois espaços é que se tem vindo a erguer essa terra de ninguém.

Mas, afinal, que terra é essa? E quem são os seus habitantes? Em realidade, essa terra de ninguém é o espaço entre a família que desaparece e as relações que não se constroem ou sedimentam. É o lugar que vai do centro distante da diocese à casa dos vizinhos que permanecem desconhecidos. É o terreno que, entre a necessidade de afeto e o medo que qualquer gesto sentimental seja mal interpretado, vai ficando vazio. É a terra daqueles que se sentem “atirados” e encurralados, sem retaguarda, numa comunidade em que são um alvo a abater. A terra daqueles que, mesmo vivendo em comunidade, nunca se sentiram tão sozinhos e desvalorizados. A terra dos que nunca reclamam. A terra dos que têm que lutar continuamente contra esqueletos no armário ou fantasmas do passado. A terra, enfim, daqueles tantos que estão entre o homem de carreira e o funcionário, e que, diariamente, em silêncio e anonimato quase absoluto, vivem uma vida de fidelidade.

Quantos padres não sentirão o seu ministério como vulgar e vazio? Quantos padres não sentirão que os inúmeros quilómetros que fazem para não abandonar nenhuma das suas comunidades são feitos em vão? Quantos padres não sentem que, tal como S. João Maria Vianey, não são suficientemente escutados?

Na verdade, talvez nos falte um olhar verdadeiramente preocupado e interessando para várias destas vidas, levadas em grande anonimato, e que vivem conscientes de estarem predestinados ao esquecimento, pois num tempo em que se denuncia a positividade tóxica: como podemos ajudar, sem condenar, os padres que desesperados pelo excesso de trabalho não conseguem sair do ativismo em que se sentem envolvidos?

Num tempo de sinodalidade, quem se atreverá a fazer uma caminhada sinodal com o clero, com as suas preocupações e angústias? Fala-se muito de clericalismo neste processo, mas que padres é que foram escutados?

Pe. João Basto, In Ponto SJ

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