Num livro recente, o teólogo e filósofo checo Tomáš Halík escreve: «O desafio principal para o cristianismo de hoje é a mudança de rota da religião para a espiritualidade. Enquanto as formas institucionais da religião tradicional evocam sob muitos aspetos o leito de um rio quase seco, o interesse pela espiritualidade de todo o género parece uma enchente em crescimento impetuoso que afunda as velhas margens e escava percursos novos» (“A tarde do cristianismo”, ed. Paulinas).
O despertar da pergunta pela espiritualidade seria fruto da transformação de uma experiência religiosa que deixou de responder às exigências das pessoas de hoje. As considerações que o escritor acrescenta, correspondem em muitos aspetos ao que dizem jovens entrevistados sobre o quanto se distanciaram da Igreja e/ou também da fé.
Na multiplicidade das imagens com que os jovens representam a sua ideia de espiritualidade, chama a atenção o seu duplo carácter. Um conjunto tem uma dimensão interior: «Viajar… penso que viajar poderia significar algo de interior no sentido… viajar dentro de si próprio para descobrir-se… e, portanto, descobrir a felicidade!». Espiritualidade é uma infinita viagem interior.
Espiritualidade é também necessidade de estabilidade, representada com a imagem do centro, de um porto seguro, de equilíbrio; é ter raízes, que apontam para uma necessidade de solidez, de uma referência certa.
Poder-se-ia dizer que os jovens interpretam a sua vida como uma viagem em busca de um “onde” plantar as suas raízes; é demanda de estabilidade, mas de uma estabilidade capaz de integrar uma componente de provisoriedade, de ulterioridade.
Se em tempos, ainda não terminados, muitas pessoas viveram e vivem um percurso que vai de Deus à espiritualidade, como expressão da própria maneira pessoal de viver a relação com Deus, hoje parece-me que o percurso inverteu a direção: da espiritualidade a – talvez – Deus. Não se chega a Deus pela via daquilo que se recebeu da fé de quem acreditou, mas na maior parte dos casos chega-se a Deus através de uma exploração pessoal que se realiza dentro do próprio mundo interior.
Os jovens que atualmente se aproximam da fé também através da inquietação de percursos pessoais pensam que a dimensão religiosa da vida é interior e sentem o aspeto institucional da fé como um obstáculo que pode ter também como resultado a recusa de tudo. Daqui podem brotar percursos originais de encontro com Deus, talvez até extravagantes, distantes daqueles cânones reconhecidos no âmbito eclesial, mas pessoais e vivos.
Um jovem não crente, que por acaso se vê num mosteiro no momento da oração, na qual decidiu participar, no seu termo agradeceu porque esse momento tinha-lhe permitido fazer uma experiência de profundo silêncio. Quando a oração é objeto de um cuidado particular, e é colocada num contexto em que a espiritualidade atravessa a vida em todos os seus aspetos, então ela liberta uma carga interior que envolve inclusive quem se sente distante da fé. Os jovens, com a sua inquieta busca espiritual, oferecem-nos uma chave de entrada no seu mundo interior: estamos dispostos a entrar nele? Estamos disponíveis para entrar em diálogo com a sua sensibilidade, que poderá contribuir a voltar a dar alma a modos de viver a vida cristã gastos e habituais? E depois é preciso que nos interroguemos, como educadores e como comunidade cristã, se estamos dispostos a fazer com eles um caminho que os acompanhe a ampliar o horizonte.
Paola Bignardi, In Avvenire