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É muito comum, e de grande incentivo virtuoso, agradecer e louvar a Deus pela refeição que obtemos cada dia. Simples ou sofisticadas, estas orações brotam da satisfação que nos presenteia o momento favorável da refeição. Mas este gesto orante de gratidão também deve ser alvo da nossa reflexão e de purificação das ‘imagens’ que podemos criar sobre Deus.

Este gesto é a tradução de um reconhecimento da generosidade Deus para connosco, mas será que, indiretamente, não estaremos a insinuar que nos escolheu para nos alimentar e ‘escolheu’ os que passam fome para não os alimentar? Claro que existem muitas circunstâncias de carestia que são justificadas por maldades humanas e comportamentos desajustados, que levam a estas situações. Será que quando agradecemos a Deus o dom da nossa comida não estaremos a insinuar a ‘negligência’ de Deus ou algum ‘favoritismo’? A Bíblia vai-nos informando que Deus ‘não faz aceção de pessoas’ (cf. At 10, 34; Rom 2, 11; Tg 2, 5-9; Dt 1, 17), mas a realidade é difícil de compaginar com estas afirmações categóricas. O problema é complexo e não tem solução fácil, nem explicações simplistas. Deixemos que a nossa oração possa ser alvo de reflexão: «Uma piedosa e anciã senhora dizia, ao terminar a guerra: “Deus foi muito bom para connosco, temos rezado sem parar…! E todas as bombas caíram na outra parte da cidade!”» (De Mello, The prayer of the frog I, 18).

Surge, então, a objeção: o que pensaríamos de um pai terreno com sete filhos e que desse alimento a dois e deixassem os outros quatro passar fome? Quando se sobrevive a alguma catástrofe, tendencialmente, a pessoa sente que deve dirigir uma prece da gratidão a Deus por estar salvo. No entanto, ao agradecer a Deus a sua ‘sorte’ não estará também a culpar a Deus por destino trágico dos outros. Um episódio do Evangelho deixa alguma luz sobre isto: a torre de siloé. (cf. Lc 13, 4-5).

Já verificámos duas explicações do sofrimento: provém de Deus como punição pelo pecado, ou como consequência da maldade humana. Uma terceira solução é apontada no livro do Génesis: a ‘positividade’ do sofrimento, isto é, Deus faz o bem a partir do mal. Trata-se do sofrimento redentor no episódio da vida de José – Gn 37-50. Uma história muito conhecida, bem elaborada e contada. Esta ideia está presente em inúmeros episódios bíblicos. O mesmo sucedeu com Moisés e as Pragas do Egito. Fica a subtil ideia de que a densidade do sofrimento intensifica a libertação operada por Deus. Em Isaías 53 esta solução do sofrimento redentor está bem patente.

Na Carta aos Gálatas Paulo fala da maldição da lei e diz que é ‘maldito aquele que for suspenso no madeiro’ (cf. Gl 3, 13). Esta citação é, na verdade, um texto da Torá, que apontava o facto de uma pessoa estar amaldiçoada, caso fosse pendurado num madeiro (cf. Dt 21, 23). O raciocínio de Paulo é que Jesus tomou sobre Si a maldição da humanidade, ao ser amaldiçoado no madeiro. Desta forma, removeu a maldição que pesava sobre a humanidade.

Os Atos dos Apóstolos continuam a elencar situações de que Deus pode de o mal realizar um bem maior, como o caso de Estêvão (cf. At 7). Ao contrário do que os judeus esperavam, Paulo apresenta a Jesus como o Messias mais ‘espiritual’, que reorienta as pessoas na forma correta para Deus. Assim, Paulo passou a ter uma visão do sofrimento como algo de ‘bom’, já não como uma severa punição por causa do pecado cometido… (continua…)

P. Virgílio Rodrigues

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