Comissão constituída por cidadãos, organizações e Igreja Católica dá primeiros passos no apoio à reconstrução de Qaraqosh.
A destruição e a falta de infraestruturas da cidade iraquina de Qaraqosh, na fronteira das terras do Curdistão, elimina a possibilidade de os cristãos, que fugiram em agosto de 2014, regressarem e reconstruirem as suas vidas.
“Mesmo que na fuga as pessoas tenham conseguido resguardar algum património para reconstruir as casas – o que é muito difícil porque nas barreiras do Daesh à saída, malas, joias, carros, tudo era confiscado – não há infraestruturas, eletricidade, água, escola, nada…”, relata à Agência ECCLESIA a irmã Irene Guia, escrava do Sagrado Coração de Jesus, a viver desde setembro de 2016 em Dohuk, na Região Autónoma do Curdistão Iraquiano, onde é responsável pelos projetos do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) no distrito.
A cidade de Qaraqosh, localizada na fronteira das terras do Curdistão e recentemente reconquistada ao Estado Islâmico, foi palco de um êxodo total de cristãos em agosto de 2014 quando o Daesh exigia o pagamento de “impostos altíssimos”, a “conversão ao Islão ou a morte”.
De uma cidade onde 90% da população era cristã hoje “não há nada”.
A religiosa, antiga comentadora da Ecclesia, visitou recentemente esta cidade e encontrou uma “cidade fantasma” cujos habitantes “são forças armadas de diferentes grupos mas onde não se veem cidadãos comuns”.
“É uma cidade destruída. Encontramos tijolo, lixo de obra equivalente a uma demolição para voltar a construir, mas que aqui é fruto de guerra. Imaginem chegar a vossa casa e ver que ou não existe, porque está em cacos, é lixo de obra, ou então está vandalizada. Não há portas, janelas, não há uma fechadura no lugar. Eu entrei onde quis”.
Irene Guia dá conta de uma comissão que está a ser constituída “com cidadãos e organizações, onde creio que a Igreja católica também vai intervir” para ajudar à reconstrução de Qaraqosh.
No entender da responsável este processo deverá ser “consertado” e ter em conta a realidade religiosa.
“É uma cidade maioritariamente cristã, mas essa realidade não deve dispensar a necessidade de pensar a reconstrução juntamente com muçulmanos e yazidis”, reforça a Escrava do sagrado Coração de Jesus.
“A forma de reconstrução pode também ser um caminho de paz”, sublinha, recordando a mensagem do Papa Francisco para o dia mundial da paz onde apela à não-violência como um estilo de construção política.
“Se houver uma estratégia consertada haverá muita população a arriscar o regresso”, avança.
A eliminação do Daesh é considerada, naquela região, como uma questão de tempo.
“Aqui, ninguém coloca em causa que o Daesh vai ser vencido, mas há também um forte sentimento de vingança”, sublinha, contexto que pode levar a um “Daesh 2”.
“A pressão ou a suspeita por parte das forças armadas e as forças políticas de simpatia com o Daesh, mesmo entre gente comum, pode provocar, como resposta, um Daesh 2. Um líder de um grupo que colabora com o exército iraquiano disse há dias que quem deu um copo de água a um membro do Daesh não tem direito a viver”.
Irene Guia olha com esperança e cuidado para os próximos tempos.
“Esta é a primeira vez em que todas as forças do Iraque estão reunidas e têm consensos. Vamos ver o que acontece, pois já se começa a falar no pós Daesh”.
O Serviço Jesuíta aos Refugiados encontra-se a promover “a esperança”, apostando nas competências que ajudem as populações a mantarem-se atualmente ocupadas mas investindo na sua formação e capacitação para “um melhor regresso”.
A Irmã Irene Guia valoriza o estar com a população, sendo esta a sua ocupação essencial.
“Estar presente, acompanhar, participar em reuniões com agências e organizações. Tudo isto para criar a esperança e defendê-los, dando a conhecer o que aqui se passa e aqui se vive”.
A Igreja católica assinala no próximo domingo o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, este ano dedicada aos “migrantes menores de idade, vulneráveis e sem voz”.
G.I./Ecclesia:LS