Um monumento de interesse público*.
Pelo pequeno óculo, aberto a meio da parede ocidental do antigo Refeitório monacal de S. Francisco do Monte, entra uma luz intensa. Agora, como no passado, ilumina a estante de leitura, ou atril, onde se colocavam abertos, em posição oblíqua, os livros sagrados. Deste Púlpito do Leitor, já não partem há muito as orações que durante séculos alimentaram o espírito dos monges franciscanos durante as refeições. O espaço também já há muito perdeu a dignidade austera que se exigia ao Refeitório. Hoje, já nada nos recorda a função para que foi construído este lugar. O pequeno armário sob o atril também já não guarda nenhum livro. É apenas um belo vestígio arquitectónico do passado. Uma memória.
Manoel Botelho Ribeiro Pereira, nos seus Diálogos Moraes e Políticos (1630-36), refere que foi no bispado de D. João Homem, mais precisamente em 1410, que se fundou a “hum quarto de légua da cidade o insigne Mosteiro de S. Francisco d’Orgens”, num local onde existia a pequena ermida de S. Domingos.
Muitos foram os seus beneméritos, a começar por D. Afonso V (1432-1481), que lhe doou pedra para levantar Igreja, Dormitório e Hospedaria; atribuiu, ainda, uma esmola mensal de quatrocentos reais e privilegiou os servidores desta Casa.
Igualmente alguns prelados da diocese beneficiaram regularmente os Franciscanos de Orgens, como foram os casos de D. João Gomes de Abreu, que fez a Torre do Relógio (1476), ou D. Gonçalo Pinheiro, que acabou o Dormitório (1563).
Os leigos, também eles acautelando a vida eterna, ajudaram bastas vezes os frades: D. Isabel de Amaral e Vasconcelos custeou o Capítulo Novo, D. Branca Teixeira, a Capela da Conceição, e o sapateiro João Afonso, de Fragosela, os claustros, como recordava uma epígrafe ali colocada e entretanto desaparecida.
A partir de 1635, S. Francisco de Orgens passou a ser um mero oratório, em virtude da instalação provisória da Ordem nas casas do Chantre, em Massorim. Concretizava-se o pedido de transferência, solicitado em 1603, desta comunidade para a cidade.
Apesar das mudanças, foram feitas obras de grande vulto no velho Mosteiro de Orgens, primeiro em 1672-73 e, depois, em 1741-49. Concluídas estas obras, o renovado Mosteiro de S. Francisco passou a ter dormitórios com vinte celas, livraria, hospedaria e varandas sobre o claustro. Era uma segunda vida aquela que se inaugurava então. Segunda vida que terminaria em 1834, com o Decreto de 30 de maio do Ministro da Justiça José António de Aguiar, que ditava “imediata extinção de todas as casas de religiosos” e incorporação dos seus bens na Fazenda Nacional.
Parcialmente destruído após a sua compra em hasta pública, o monumento está, de novo, a ser reconstruído. A luz ainda entra, intensa e cheia de esperança, pelo óculo do velho Refeitório franciscano.
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* 18 de abril, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios
Jorge Adolfo de Meneses Marques
Docente na ESEV – IPV
G.I./J.B.