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O ensinamento do Pastor

 

1. A misericórdia de Deus é fonte de graças e de esperança pascal

Senhor, cantarei eternamente a vossa bondade e a vossa misericórdia: “Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom; porque é eterna a sua misericórdia” (Sl 117).

A confiança na misericórdia divina é um elemento importante na vivência e no testemunho da fé cristã e na vida da Igreja.

O salmista inspira-nos a ter confiança no Senhor: “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor e para sempre proclamarei a sua fidelidade” (Sl 88 (89),2-3). A confiança em Deus é a experiência mais bela e intrínseca da fé cristã, que nos leva a fazer sempre a sua vontade, a dizer com profundidade espiritual: “Seja feita a Tua vontade” (Mt 6,10), ou “Eu venho, Senhor, para fazer a Tua vontade”. Esperei no Senhor com toda a confiança e Ele atendeu-me (cf. Sl 39 (49), 2) experimentando assim, na nossa vida humana e cristã, os sentimentos divinos, dizendo dai graças ao Senhor porque Ele é bom e é eterna a sua misericórdia. Na verdadeira relação com Deus, enquanto procuramos a verdade do que é acreditar, abrimos o nosso ser à essência do que é o próprio Deus: Dom gratuito, Senhor misericordioso, é Ele que dá sentido à nossa vida teologal, que se oferece em Jesus Cristo, para nos confiar, entregar de modo incondicional à grandeza da sua Misericórdia Divina.

Somos capazes de viver a vida pessoal, humana, ética, cristã, consagrada, diaconal, sacerdotal e laical juntos, em sinodalidade na relação com Deus, connosco mesmo, com os irmãos e com a própria natureza. A sua misericórdia encha de alegria, de esperança e de caridade o agir que caracteriza a fundamentação da identidade humana e cristã. Somos chamados a fazer da confiança a ferramenta indispensável para aprofundar a fé cristã e nos entregarmos como Igreja a anunciar ao mundo de hoje o Evangelho da Misericórdia.

O momento presente, de pandemia, em vivemos as consequências nefastas desta nuvem pesada e sombria que paira sobre a humanidade, leva a Igreja e o mundo a viver a maior crise global da história conhecida. Esta crise, que atacou ricos e pobres, crentes e não crentes, governantes e súbitos, crianças e jovens, adultos e famílias, idosos e doentes, cuidadores e cuidados, só será ultrapassada com a ajuda de todos e o cumprimento das medidas humanas e sanitárias, que, como cristãos e pessoas de boa vontade, devemos cumprir, para obedecer à lei civil e eclesiástica, e às recomendações da DGS para combater o Covid-19, inimigo invisível da pós modernidade.

 

2. Jesus eu confio em vós

Confiar é entregar-se sem reserva à vontade de Deus. Este pedido, feito e revelado por Jesus a Santa Faustina, foi para ela uma aprendizagem de amor para aprender a mergulhar sempre com confiança, no imenso mistério da riqueza insondável da Misericórdia Divina.

Proponho hoje o seu exemplo de abandono à vontade de Deus, como ajuda de um caminho espiritual sério, valorizado pelas orientações dos governantes, da DGS e da Igreja, numa experiência de obediência mesmo no meio de dificuldades e provações.  O sofrimento vivido na fé e na humildade ajuda-nos a compreender melhor a exigência da prevenção, da contenção e da oração, num contexto de pandemia. Procuremos os meios ao nosso alcance e necessários à prevenção e cumpramos as regras que nos são propostas para aliviar o flagelo de tão sombria calamidade.

Dizia Pedro Finkler num dos seus livros sobre a oração: “quando o homem reza, algo muda nele e à sua volta”. Também neste contexto, a oração é importante na vida dos cristãos; ela é o verdadeiro respiro de Deus em nós. Sem oração não há confiança, sem esperança não se acredita, sem modéstia na humildade não se cresce na fé e na caridade.

 

3. A espiritualidade e a devoção à Divina Misericórdia

Nesta oitava da Páscoa, estamos a celebrar a Festa da Divina Misericórdia, tendo como base uma revelação particular feita por Jesus a uma religiosa Polaca, hoje Santa Faustina. Foi uma devoção que se espalhou rapidamente na Igreja universal durante os últimos cinquenta anos do século XX, com a devoção do terço da Misericórdia e a consagração à Divina Misericórdia.

Na reflexão renovada sobre a conversão pastoral feita à luz do estudo da antropologia cristã, da teologia, da espiritualidade, da cristologia, da eclesiologia e da pastoral, encontramos no ensinamento feito por Deus à humanidade, através da Revelação Divina e da Sagrada Escritura, a proposta da busca do amor infinito de Deus, do perdão, do arrependimento do pecado, da conversão e da misericórdia que Deus propõe ao povo eleito no Antigo Testamento através da pregação dos patriarcas, dos reis e dos profetas, autênticos ícones da misericórdia de Deus e artífices da pregação ao Povo de Israel. Basta recordar alguns textos e salmos: “Dai graças ao Senhor porque Ele bom, porque é eterna a sua misericórdia”(Sl 117). Este é o grande salmo pascal de louvor à Misericórdia Divina, Trindade Santa. Que o “diga a Casa de Israel, porque eterna a sua misericórdia (…), digamos nós porque é eterna a sua misericórdia, dai graças ao Senhor porque Ele é bom, porque é eterna a sua misericórdia” (cf. Sl 117).

Mas o verdadeiro rosto da Misericórdia de Deus é Jesus Cristo que nos é oferecido como dom gratuito no Novo Testamento, de modo especial no Evangelho, que revela de forma plena o mistério da Encarnação e da Redenção, a kénosis e o levantamento da Pessoa divina e humana do próprio Filho de Deus, Jesus Cristo entregue a toda a humanidade no mistério da Redenção.

Jesus, que passou a sua vida a fazer o bem, anunciou a proximidade do reino de Deus, acolheu os pobres e os pecadores, curou os doentes, explicou o verdadeiro sentido das parábolas sobre a misericórdia do Pai (cf. Lc 15).

Tornou-se próximo dos pobres, dos doentes, dos pecadores, do filho pródigo, de Zaqueu e chamou Mateus. Foi à procura da ovelha perdida da casa de Israel, cuidou como bom samaritano da humanidade e derramou o óleo da alegria junto dos abandonados, dos maltratados, dos últimos, dos frágeis, dos esquecidos, dos marginalizados, cuidou de todos como bom Samaritano da humanidade. Para nos ensinar a todos a caminhar na santidade, pediu-nos: “Sede misericordiosos como o Pai celeste é misericordioso”.

Jesus Cristo, o enviado do Pai, ao dar início à sua missão Salvadora e Redentora, lia o texto de Isaías que aplicava a si mesmo: “O Espírito do Senhor está sobre mim porque me enviou a anunciar a Boa nova aos pobres, a libertação aos cativos e a anunciar um ano de graça” ( cf. Lc 4, 18-20), tornando a misericórdia divina presente na humanidade.

 

4. A Hora da Divina misericórdia

A hora da misericórdia divina foi revelada por Jesus no alto da cruz, quando, pedindo ao Pai perdão para os nossos pecados, Jesus exclamou: “Pai nas vossas mãos entrego o meu Espírito”. Lembra o Evangelho que Jesus, dando um forte brado, expirou…

A hora da sua misericórdia, que parece uma tragédia, torna-se um momento de esperança, pois “quando o soldado abriu o lado de Cristo e dele jorrou Sangue e Água”, manifestou-se ao mundo o amor infinito e misericordioso de Deus

A Misericórdia Divina é o maior dom de Deus, revelado por Jesus Cristo, o Filho do Eterno Pai, a todo o género humano. Ele veio ao mundo para nos salvar e dar a vida por nós morrendo na cruz. A hora da morte de Jesus revelou aos homens a abundância e a grandeza da misericórdia divina. Diz o salmista: “Junto do Senhor a misericórdia. Junto do Senhor a abundância da Redenção”. Foi neste dom que Santo Afonso Maria de Ligório, advogado, juiz, sacerdote, bispo e fundador da Congregação do Santíssimo Redentor, contemplou a beleza, a riqueza espiritual, a vivência do carisma e a exigência moral da sua teologia e pastoral. Não fosse ele o grande mestre e patrono da verdadeira Teologia Moral, tão necessária para nos ensinar como Igreja, família e sociedade a viver uma vida feliz e respeitável na relação com os outros.

Neste tempo de isolamento social e de contenção nas nossas casas, faz-nos bem lembrar o caminho de equilíbrio e discernimento que ele nos propõe na busca de uma consciência reta, boa, bem formada e iluminada pela Palavra de Deus. Ensinava Santo Afonso: “contra o rigorismo moral, benignidade pastoral”. É à procura do verdadeiro equilíbrio da vida, das relações com Deus, com as pessoas e com a natureza que todos estamos a aprender a viver nestes tempos novos, a rezar em família, a trabalhar online, a estudar em casa e a criar hábitos novos na experiência familiar da fé em tempo de prevenção, contenção e oração.

 

5. O caminho da misericórdia também consiste em reinventar estilos novos de vida

Queridos pais, crianças e jovens, também o aprender a sermos misericordiosos como o Pai celeste é misericordioso, consiste, neste tempo de pandemia, saber organizar a vida familiar, organizar estilos de vida saudáveis na escola, no estudo, na catequese e no lazer. Confinados em casa, sabemos quanto sacrifício custa viver em isolamento e afastados uns dos outros. Mas agora, começando a adaptar a nossa vida a outros estilos de convivência pessoal e social, precisamos de continuar a fazer a nossa reflexão e a propor um agir adaptado às novas realidades.Aprendamos a respeitar-nos uns aos outros, a viver a verdadeira liberdade e responsabilidade através de uma consciência reta e bem formada, como ensinou o Concílio Vaticano II: “A consciência é o santuário íntimo onde o coração do homem é tocado por Deus e chamado a fazer o bem…” (cf. GS 16). É um trabalho bonito de descoberta de quem somos nós, neste tempo em que fomos convidados a ficar em casa. Nesta semana da Páscoa, Festa da Divina Misericórdia e em “Quarentena” por causa da pandemia Covid-19, faço vos um apelo a vivermos os cinquenta dias do Tempo Pascal com alegria, no dom da Misericórdia Divina, em atitudes de “Amor Novo”, de “Bem- Aventuranças” e no exercício das “Obras de Misericórdia”, tendo diante de nós o desafio do Evangelho de Mateus, Capítulo 25: “o que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos é a mim que o fazeis”.

 

6. Os desafios da Misericórdia Divina

O Jesus que insiste no cumprimento dos mandamentos, na prática do Mandamento novo do Amor, na vivência das “Bem-Aventuranças” como caminho natural para a prática das “Obras de Misericórdia”, está connosco como Ressuscitado e não nos abandona. Na verdade, o Senhor é maravilhoso; que o diga a casa de Israel, que o diga a Igreja, que o digamos nós o seu povo chamado a viver o Batismo como caminho de santidade. O Sacramento do Batismo é a primeira fonte e porta da fé através da qual se inicia a nossa vida de iniciação cristã, que encontra no lado aberto de Cristo um manancial de graça e de Misericórdia.

 

7. Uma Catequese acerca da Misericórdia Divina

Proponho como catequese familiar para este II Domingo da Páscoa o seguinte exercício espiritual, realizado com o contributo dos pais, interagindo com os seus filhos, crianças ou jovens. Para o exercício ficar como memória, convém ter consigo um caderno, um lápis ou caneta, ou então utilizando o computador ou outras novas tecnologias.

a) Procurar na Bíblia três textos sobre a Misericórdia Divina. Ler os textos, meditá-los e escrever as frases que mais vos tocaram e levá-las à prática na vida humana concreta.

b) Dar uma definição da palavra misericórdia e ver a abrangência do que significa a expressão: “um coração rico em misericórdia”.

c) Na tolerância e no respeito pela dignidade da pessoa humana, dizer o que é:

– O amor

– A liberdade

– A responsabilidade

– A proximidade

– A criatividade

– A inovação

– A compaixão

– O testemunho de vida

– Um cidadão responsável

– Um batizado, discípulo missionário

– Um cristão empenhado na vida da Igreja

d) Como se chama a Santa a quem Jesus confiou o apostolado da Misericórdia Divina.

e) Como se chama o Papa que canonizou a apostola da Misericórdia Divina e em que ano foi canonizada?

f) Quantas são as Obras da Misericórdia?

g) Diga quando se celebrou o Ano da Misericórdia e qual era a frase que lhe serviu de slogan.

Prevenindo, agindo e cumprindo as orientações, não desanimemos perante a tragédia que se abateu sobre a humanidade; em horas de incerteza, tenhamos confiança e olhemos  para o futuro da humanidade com esperança, com um olhar misericordioso, acreditando, com confiança, no dom da Divina Misericórdia.

 

8. A misericórdia e a compaixão, caminho para viver a proximidade e a solidariedade

Desejo a todos os cristãos e pessoas de boa vontade um Santo Domingo da oitava da Páscoa, uma festa feliz e cheia de confiança na Divina Misericórdia. Rezemos por todos, implorando de Jesus, da Santíssima Virgem, Saúde dos Enfermos, e pela intercessão de São José, São Sebastião, Santa Faustina, São Francisco e Santa Jacinta Marto, São João Paulo II, São Teotónio e a Beata Rita Amada de Jesus, o fim desta pandemia Covid-19, dizendo com fé: “Jesus eu confio em vós!”

 

Viseu, 18 de abril de 2020

+ António Luciano dos Santos Costa, Bispo de Viseu

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