Observatório Pastoral
Enquanto estava de férias na Madeira, rapidamente caí numa rotina diária. Logo pela manhã, ir até à padaria e ouvir as novidades do dia. Nós precisamos de férias para mudarmos de hábitos e rotinas… mas a verdade é que, uma semana depois, já novas rotinas tomam conta de nós… rotinas que não queremos quebrar porque nos dão segurança. Não é espantoso que substituamos tão facilmente umas rotinas por outras?! Acho que todos somos criaturas de hábitos. Acostumamo-nos facilmente a fazer as coisas da mesma maneira.
Na igreja é a mesma coisa. Aprendemos rapidamente a contar com uma certa previsibilidade nas ações do culto e não gostamos muito de as ver mudadas. E, se não tivermos cuidado, alguns destes pequenos gestos se tornam tradição de pleno direito em que, sem aquilo, parece-nos que a ação salvífica de Deus ou não acontece ou acontece com menos força. Alguns desses gestos se tornam quase santos e imutáveis. Quando isto acontece, eles deixam de ser uma rotina para se tornaram uma vaca sagrada. Depois, se alguém mexe numa vaca sagrada, as pessoas ficam muito irritadas. A dificuldade em distinguir o essencial do acessório.
Todas as igrejas têm tradições assim e que se tornam vacas sagradas. Gestos repetidos que já ninguém sabe a sua origem… o seu real significado. Noutras igrejas é a versão típica dos livros litúrgicos… Uma nova versão desencadeia imediatamente apaixonadas discussões… Se se deve ou não colocar cruzes e velas no altar em frente do mistério da eucaristia… em todo o caso, a questão é sempre se se eleva ou não certas práticas rotineiras a tradições sagradas.
Um escritor escreveu acerca disto um livro com um título curioso: “Vacas Sagradas fazem hambúrgueres gourmet” (Cfr. Bill EASUM, Sacred Cows Make Gourmet Burgers: Ministry Anytime, Anywhere, By Anyone, 1995). Parece que é um fenómeno sociológico comum: a(s) igreja(s) têm tendência a elevar certas práticas de rotina a tradições sagradas. Mas, para a(s) igreja(s) crescer(em) é necessário encontrar formas de comer essas vacas sagradas, de as assimilar. É que nem tudo são tradições más. Algumas se tornam importantes e, em certo sentido, podemos dizer que estes tempos são melhores que os antigos, neste ou naquele pormenor.
Recordo-me sempre do filme “Um violino no telhado”, quando Tevya canta a canção “Tradição”. Ele explica o valor da tradição: “a nossa tradição diz-nos quem Deus é e quem somos nós”. Quando a tradição faz isso, então é uma boa tradição. Como se vê a tradição destina-se a evidenciar a realidade que está por detrás da tradição e não a ofusca-la. Se, em nome e em defesa duma “tradição”, ofendemos, fazemos “bullying” nas redes sociais, denegrimos o bom nome das pessoas, como o Papa Francisco, então tornamo-nos “terroristas” de Deus.
Há, de facto, tradições que em vez de apontarem para realidades espirituais, nos afastam. Há tradições que se destinam somente a uma elite conhecedora, que despreza os simples que as não conhecem.
Ninguém pode pôr vinho novo em barris antigos… o vinho novo obriga os barris a se expandirem. Os velhos barris representam antigas tradições que esqueceram o coração. Um coração novo reclama sempre novas tradições. Os que querem informar Jesus – dar uma forma a Jesus – estão virados para o passado… andam de costas para o futuro… Os conservadores pecam pelo pecado de não deixarem Deus vir de NOVO… de renovar todas as coisas n’Ele.