Observatório Pastoral
«Há um tempo para calar e um tempo para falar» (Eclesiastes 3,7)
A sociedade atual gerou instintivamente uma aversão ao silêncio, tornou-se demasiado estridente, agitada, ansiosa, emotiva, ideologicamente fluida e algo desorientada. O silêncio cedeu lugar ao ruído, por vezes ensurdecedor, auditivo, mental e espiritual. O tão precioso, repousante e humanizante silêncio tornou-se uma raridade.
Tal fenómeno vai invadindo, por contágio, o habitat eclesial, os momentos de culto, de celebração, nos quais o silêncio é imprescindível para o encontro de cada um consigo próprio, com o outro, com Deus. Como pode interiorizar-se a Palavra, se o ruído, sonoro e/ou visual, nos invade, obstaculiza e impede a escuta? E sem silêncio não há Palavra, pois é do silêncio que brota a Palavra que congrega e proporciona o clima para a celebração.
Poderia afigurar-se contraditório o facto de a Igreja, sobretudo desde o Vaticano II (1963-65), incentivar à «participação plena, ativa e consciente» (SC 14), através de aclamações, respostas, cantos, gestos, movimentos, posturas corporais, e, simultaneamente, invocar a necessidade e valor do silêncio. Contudo, o convite à participação não contraria nem secundariza a importância do silêncio, daí a mesma Constituição Litúrgica advertir: «observe-se, a seu tempo, o silêncio sagrado» (SC 30); de igual modo, a Instrução sobre o Missal (2002): «Guarde-se o silêncio sagrado como parte da celebração» (IGMR 45). Há dias, 29 de Junho de 2022, o Papa Francisco, na Carta Apostólica Desiderio Desideravi insiste: «entre os gestos rituais que pertencem a toda a assembleia, o silêncio ocupa um lugar de absoluta importância…não é o refúgio para o isolamento intimista; é o símbolo da presença e ação do Espírito Santo que anima toda a ação celebrativa» (DD 52). O silêncio não impede a participação, pelo contrário, potencia-a, qualifica-a.
Silêncio não é mutismo, vazio, intimismo, passividade; nem participação se reduz à mera intervenção, ativismo, desempenho de funções. De facto, criou-se um equívoco pastoral de pretenso antagonismo entre ‘silêncio’ e ‘participação’ que teve como consequência, sobretudo nas celebrações com crianças e jovens, o verbalismo e ativismo litúrgico, que substitui os tempos de silêncio com monições, explicações, música, poesia, textos piedosos, gestos que resultam numa celebração dispersiva, cansativa, pouco serena, que não dá voz ao silêncio, nem à sua eloquência espiritual.
A participação, se preparada e consciente, não cria agitação, intervencionismo, protagonismo. Participação e silêncio não se contradizem, potenciam-se e favorecem a oração, a proclamação, o canto, os gestos rituais, desde que preparados e atuados de forma serena, articulada, simples, harmoniosa e bela. É possível, e desejável, a complementaridade: silêncio participativo e participação silenciosa.
O silêncio é imprescindível para expressar o que os vocábulos e gestos corporais não conseguem, por si só, exprimir: o Indizível, o Mistério, Deus. Mas que silêncio?
– O silêncio de concentração ou recolhimento que propicia o encontro com Deus, faz mergulhar na vida pessoal: acto penitencial, antes da oração colecta, após a homilia;
– O silêncio de assimilação que facilita a escuta e interiorização da Palavra, que nasce do silêncio, e as orações sacerdotais, especialmente a oração eucarística;
– O silêncio de meditação como resposta à Palavra de Deus, favorecendo a apropriação pessoal da mesma para melhor ser vivenciada;
– O silêncio de oração e adoração que leva à participação mais íntima e pessoal nas diversas formas de oração de ação de graças, louvor, adoração, súplica, intercessão: consagração, ação de graças após a comunhão, exposição do Santíssimo Sacramento; a apresentação e adoração da Cruz e outros.
Venha a nós o Teu Silêncio.