Observatório Pastoral
Há boas razões para acreditarmos que os confinamentos mudaram substancialmente os nossos hábitos. A nossa casa passou de simples casulo para nos afundarmos nelas. Temos optado permanecer aí porque temos tudo o que precisamos. Ainda que o nosso mundo interior esteja dividido como as duas partes de uma maçã – de um lado o trabalho e do outro o que achamos que somos livres de fazer – a verdade é que optamos por fazer cada vez mais em casa.
E esta necessidade é um excelente nicho de mercado e negócios: agora, tudo nos vem ter a casa: “decore a sua casa!”, “equipe a sua casa!”, “conserve a sua casa!”, “aproveite melhor os espaços da sua casa!” A mensagem é simples: “preocupa-te com a tua casa, porque ela revela aquilo que tu és!” Então, o primeiro passo a dar é fazer a tua casa à tua imagem. E ela, insidiosamente, vai reclamar o favor: acabas “feito à imagem e semelhança” dela! És dono dela e ela tua dona!
Mas há mais na vida do que ser dono de uma casa. Gostaria de sugerir uma perspetiva diferente: Que tal tornar-se uma casa? Há também uma casa dentro de cada um de nós. Podemos estar conscientes ou não disso, ficar ausentes dela, continuar a afastarmo-nos dela, como se tivéssemos medo de ser arrastados para o nosso eu mais profundo. A condição da nossa casa interior é pelo menos tão importante como a da nossa casa exterior. Quem é que a habita?
“Se alguém me ama… meu Pai o amará e faremos nele a nossa morada”.
Primeiramente, para dar espaço é preciso esvaziar o espaço. Todos nós que estamos cheios de coisas ou, simplesmente, fartos de nós mesmos… Os mais disponíveis são “esses que um par é já uma multidão” (Luciano Ligabue).
Afinal, é de hospitalidade que estamos a falar. E quando acolhemos Deus, a hospitalidade multiplica-se e torna-se inclusiva. Quando acolhemos Deus como hóspede na nossa casa interior, então acolhemos uma horda faminta! Conseguirás ser o anfitrião de casa aberta, não apenas para o Deus imaculado e glorioso, mas também para todos os que Ele traz consigo, no seu amor imprudente e esbanjador?
A tua casa então não se tornará um lugar só para ti, nem um refúgio ou um casulo, nem uma forma de evitar a vida. Não será celeiro, em aumento, onde se guarda o trigo de uma boa colheita (Lc 12,16-21), mas alguidar para “esconder” um pouco de fermento em duas medidas de farinha (Mt 13,33). A tua casa será uma grande estalagem, ou uma sala no andar superior; uma “Betânia”, ou “casa do pão”! (…)
Assim não seremos como estes doentes de Alzheimer que, ainda que estando em casa, passam o tempo todo à procura da sua casa! Já estamos em casa! Se alguém ama, cria Evangelho, palavras jamais ditas… faz gerar Deus, dá-lhe carne e história, porque “tu trazes contigo Deus” (S. Basílio Magno) e passarás a dizer “palavras das quais não se vê o fundo” (Ermes Ronchi).
E será a paz! Dom que nasce de dentro! A paz que não se compra nem se vende, “eu vo-la-dou”. (…) Shallom em vez quer dizer plenitude. Essa plenitude de quem a casa chegou só pelo facto de a ter aberto de par em par!