Observatório Pastoral
«Contra isto, a Bíblia atribui a sua fé – fé de Deus – na liberdade. Se pudermos mudar, então o futuro não está destinado a ser uma ação de repetição do passado. O arrependimento é a prova de que mudamos. […] A Bíblia Hebraica é o texto-chave ocidental da liberdade – e mais do que contar a história da fé do homem em Deus, conta a história da fé de Deus na humanidade.» (Jonathan Sacks, in Não em Nome de Deus, pp. 154-155)
Partindo de uma leitura própria e ardilosa da Sagrada Escritura, nomeadamente da Torah e do Livro dos Genesis, não fosse Sacks judeu e rabino, é feito um convite a perceber que na base da fé no Deus único, seja na perspetiva judaica, cristã ou muçulmana, a violência não tem sentido, mas, na verdade, sempre esteve presente. A violência perante o “irmão” surge como algo quase natural, algo a ser combatido e contrariado pela mudança que proporcione novidade.
Quanto mais se fala da palavra tolerância ou do respeito para com a opinião contrária, menos se vive ou assume esse respeito, sobretudo pelos arautos da diversidade ou das minorias. A tolerância, na verdadeira aceção do seu conceito, abrange todas as realidades e implica um verdadeiro esforço de encontro e de escuta do outro. Perante um mundo tão diversificado, onde já não se sabe o que é uma minoria ou uma maioria, todas as opiniões são válidas, menos a opinião que não é consentânea com a verdade que professada pelo indivíduo, seja ela religiosa, política ou moral.
O mundo contemporâneo é marcado pelos extremos. Do radicalismo político ao fanatismo religioso vão-se sentindo laivos de ódio e falta de escuta. Das conversas de café aos comentários nas redes sociais percebe-se um vazio de sentido que apenas aumenta a capacidade de odiar tudo o que não se compreende ou controla. Num mundo onde impera a técnica, falta a humanidade para se perceber que a opinião contrária pode não ser aceite mas deve ser respeitada.
Perante tudo isto, as recentes manifestações de fanatismo e até de injúria perante o cristianismo, nomeadamente perante a Igreja Católica, deveriam questionar a conduta e a ação dos cristãos… Mais do que um argumentário vazio criador de vazios ou fechado sobre si próprio, porque eu estou certo e tudo o resto está errado, é essencial que se redescubra a capacidade de escutar e acolher, tal como fazia Cristo. Os cristãos precisam de reaprender, utilizando-se o prefixo “re” já que o caminho nunca se termina e nunca se aprende a totalidade de uma realidade ao ponto de a fazer perdurar ao longo da vida, a conjugar o verbo amar.
Perante as críticas, com a consciência do que se vive e do que se acredita, não se pode perder o horizonte mais profundo de tudo e não se pode cair na soberba da superioridade. Se o desejo profundo é levar Cristo a todos, considerando que Ele é importante para a vida da humanidade, perde-se o mais importante, isto é, a capacidade de O fazer chegar mesmo a quem O recusa. O amor a Deus não pode ser nunca motivo para o ódio porque em si mesmo é uma recusa e uma ausência do coração divino. Daí que, perante a pergunta fundamental: até onde leva o amor a Deus? A resposta deveria ser clara e espontânea: à fraterna caridade que proporcione um toque ternurento no Reino dos Céus. Contudo, esta realidade da fraterna caridade está longe de ser visível ou vivida por todos, sobretudo os que têm a responsabilidade de a viver, os cristãos.