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Observatório Pastoral

 

 

“O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz’.” (Nm 6,24-25)

E se a bênção, o “dizer bem”, o “desejar bem” tivesse a vitalidade duma ação sacramental? É que as palavras são poderosas! A bênção é uma forma verbal fecunda que tem a pretensão de acompanhar e enfrentar o caráter tragicómico da existência. A bênção estreita o abismo entre céu e terra, entre pecado e santidade, através da consolação que vem de Deus. A bênção tem a pretensão de transformar escolhos em passagens.

A dialética entre profecia e sacerdócio, para ser fecunda, deve descobrir duas coisas: primeiro, que esta é uma mudança de época; segundo, a necessidade da redescoberta da bênção, como parte integrante de um futuro para o cristianismo.

Num tempo de excesso de palavras, em que elas “estão cansadas, já não dizem nada porque ‘gastas’ e reduzidas a ‘sopro de vento’ (Qohélet), é necessário pôr-se em viagem, à procura de Palavras maiores e mais antigas do que nós e do que a nossa idade.” As que são necessárias são as humildes e parcas bênçãos que tornam a vida vivível. De futuro, possivelmente, as palavras da religião serão mais humildes e modestas, mas nem por isso a religião será mais fraca. Porque é esse o princípio da Incarnação: toda a humanidade, em todo o tempo e lugar, é capax Dei.

Agora, já suficientemente longe da Era Média, em que a religião pretendia ocupar todo o espaço disponível entre a consciência individual e o Dador da Vida, a religião descobre, no escolho que se mantém firme na enxurrada, que as “palavras boas” são um horizonte de possibilidade para dar sentido à nossa finitude. Aliás, até porque, segundo os dados da psicologia das religiões, a bênção é a razão de ser da religião, a sua força.

Quando a tantos a fé cristã parece já dizer tão pouco acerca da trama intricada que a vida é e quando os grandes mistérios cristãos – a Trindade e a Criação, a Encarnação e a Redenção, a Graça e a Vida Eterna – já pouco se compreendem e mais dificilmente se conjugam com a experiência banal de cada dia, a bênção aparece aqui no início de uma nova era das nossas vidas, como uma força de renovação. A religião, espiritualidade traduzida em palavras possíveis de se dizer, pela bênção, afirma que a vida é digna de ser vivida, ainda assim, apesar das vicissitudes… Estamos a deixar para trás uma fé opressivamente presente, intimidatória e expiatória até; mas, para que não se caia numa fé demasiado leve, liberal e sem rosto, estamos a provar abraçar um novo estilo de ser cristão.

A bênção casa bem sobretudo com recomeços: o dar à luz, quando se semeia o campo ou se estreia um espaço, no casar e no reconciliar-se e, claro, num ano novo. Com renovada esperança, evoca-se e renova-se a bênção dos inícios, a palavra amorosa, compassível e fecunda que tudo traz ou mantém com vida. À luz de um Deus que nos quer bem e nos bendiz, dizer bem e falar bem, das pessoas e das suas circunstâncias, do tempo que se vive e dos lugares que se habitam, assinala já a presença da graça divina que, graciosamente, aquece e ilumina, conforta, eleva e sustenta. Reconhecer e viver a vida e a sua contingência como bênção, ainda que difícil, realiza a fé num Deus próximo, aliás dentro, e que se preocupa connosco.

 

Pe. Humberto Martins
Sacerdote Dehoniano
CategoryDiocese, Pastoral

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