Observatório Pastoral
Há quatro eixos marcantes que são traves-mestras no caminho, na missão que tem sido protagonizada pelo Papa Francisco.
Primeiro, é a sua reflexão sobre o que nós somos. Há uma autorrepresentação da Igreja para a qual o papa, desde o início do seu pontificado, nos tem mobilizado. Vale a pena voltar às imagens da exortação apostólica que é o seu programa de pontificado, “A alegria do Evangelho”.
Imagens como a Igreja em saída, como uma Igreja de portas abertas, como uma Igreja hospital de campanha, como uma Igreja acidentada, suja, por ter saído pelas estradas do mundo, pelas periferias da humanidade, mas ao mesmo tempo continua a ser aquela comunidade de discípulos de Jesus capazes de viverem em fidelidade o espírito do Evangelho, assumindo o serviço da vida humana como sua missão primordial. (…)
Uma imagem para falar deste eixo da autorrepresentação que aparece repetidamente no pensamento e na fala do Papa Francisco é a do poliedro. Ele pensa a Igreja, as comunidades, as várias comunidades eclesiais como um poliedro, com faces diferentes, que expressa originalidade e complementaridade.
A referência aos quatro princípios que ele enuncia na “Evangelium gaudium” aparece continuamente.
O princípio que o tempo é superior ao espaço. Na visão que o Papa Francisco tem da Igreja, não se trata apenas de ocupar um espaço, mas de ter um olhar para o tempo, perceber que começamos caminhos, e que esse gesto inaugural é porventura mais importante do que querer já montar uma tenda num lugar específico.
Outro princípio é que a unidade é superior ao conflito. Um pensamento muito importante do Papa Francisco, quer em relação à Igreja quer ao mundo, é a noção de bem comum. Aquilo que nos une é sempre mais importante do que tudo aquilo que nos diferencia e separa.
Outro princípio é que a realidade é superior à ideia. É muito importante para um olhar de pastor, e para nós que vivemos em Igreja, a auscultação da realidade, e perceber que a capacidade de abraçar a vida como ela é, mesmo nas suas contradições, é superior às idealizações que podemos fazer. A palavra-chave é “conexão”.
O quarto princípio é que o todo é superior às partes. De novo emerge a ideia de bem comum a redescobrir como uma imagem, que não é só abstrata, mas praticada do que é a Igreja.
Percebemos, na visão que o papa apresenta sobre a Igreja, quanto ele é fiel ao espírito do Concílio Vaticano II. Além de perguntar quem somos, o papa pergunta-nos, desafia-nos e cria novas oportunidades para perguntar quem são os destinatários do discurso eclesial. E aqui o seu discurso traz grande novidade profética, desinstala-nos, porque ele escolhe falar não para os de sempre, não para aqueles que já pertencem ao rebanho, não para aqueles que já estão convencidos, mas é um discurso verdadeiramente para todos, em grande medida para a humanidade.
Isto é um eixo novo, e constitui, sem dúvida, um desafio muito grande, porque, como o Papa Francisco refere muitas vezes, um dos problemas da Igreja atual é a sua autorreferencialidade: arriscarmos viver dentro de uma bolha, dentro de uma zona de conforto, estamos bem nas nossas realidades, nas nossas missões, nas nossas atividades, mas perdemos a capacidade de um discurso relevante para o mundo. A “Fratelli tutti” vem dar força não apenas à palavra “irmãos”, mas também ao advérbio “todos”. Esta capacidade de falar a todos é algo que o Papa Francisco nos ensina.
Card. José Tolentino Mendonça, In IMissio.net